Uma multa administrativa aplicada por um auditor fiscal do trabalho a uma empresa de transporte coletivo um dia depois de uma discussão entre o fiscal e um trocador foi anulada pela Justiça do Trabalho, que entendeu haver “ilegal discricionariedade da autoridade” na imposição dos valores. A decisão, da Justiça do Trabalho da 3ª Região (MG), foi mantida pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou agravo de instrumento da União contra a anulação. Na ação anulatória, a Empresa Alcino Gonçalves Cotta, da cidade mineira de Matozinhos, contou que, no dia 10/12/2002, “ocorreu um desencontro de informações” entre um fiscal do Ministério do Trabalho e o trocador de um de seus ônibus quanto à forma de concessão do passe livre aos fiscais. Segundo a empresa, o fiscal teria passado pela roleta sem se identificar como fiscal e, ao ser cobrada a passagem, afirmado que a empresa teria de ter um caderno em que ele assinaria a justificativa do não-pagamento. Mas, ainda de acordo com a inicial, esse procedimento diz respeito aos serviços de transporte coletivos de Belo Horizonte. Para a empresa, que faz o trajeto Matozinhos-Belo Horizonte, a orientação do DER-MG é de que os beneficiários do passe livre saltem pela porta da frente, sem pagar a passagem. “A questão relativamente simples se tornou um desentendimento quando o trocador disse que o fiscal não precisava pagar a passagem, mas esta seria descontada de seu salário”. O caso foi registrado em boletim de ocorrência pela Polícia Militar. No dia seguinte, o fiscal, juntamente com outros colegas, foi à empresa e aplicou diversas multas, no valor total de cerca de R$ 7 mil. A transportadora questionou então a legitimidade da fiscalização. “O comparecimento para fiscalizar a empresa poucas horas depois de ter tido sério desentendimento com seu representante gerará no espírito do cidadão mediano a impressão de se tratar de desforra, de uso indevido de poderes e demonstração de poder, e certamente iria macular perante a sociedade a imagem de todo o corpo de profissionais da Administração Pública”, argumentou. A 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte considerou “de extrema suspeita” a fiscalização. “No meu sentir, o auditor agiu com espírito de vingança e ainda trouxe colega como colaborador, atendendo interesse pessoal indireto, em evidente desvio de finalidade do ato administrativo”, assinalou o juiz de primeiro grau. Como agravante, a sentença observa que a empresa, de pequeno porte, é optante do SIMPLES, e neste caso a legislação determina o critério da dupla visita do fiscal, antes de lavrar o auto de infração, com a finalidade de instruir os empregadores e empregados no cumprimento das leis de proteção do trabalho. Este entendimento foi mantido pelo TRT/MG, ao julgar recurso ordinário da União e negar seguimento a seu recurso de revista. No agravo de instrumento ao TST, a União sustentou que os autos de infração diziam respeito a infrações às normas de medicina e segurança do trabalho efetivamente cometidas pela empresa. “Constatada a infração, a lavratura do auto é procedimento não apenas cabível mas obrigatório”, defendeu, acrescentando que caberia à empresa provar a tese de que o fiscal agiu por vingança. Mas o relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, ressaltou que o TRT decidiu com base na aplicação do princípio da persuasão racional. “Cumpre observar que não mais vigora o sistema de prova legal, onde o valor das provas era tarifado”, assinalou. “No sistema atual, é livre a apreciação e a valoração das provas, bastando que o juiz atenda aos fatos e circunstâncias constantes dos autos e indique os motivos que lhe formaram o convencimento”, concluiu.