A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja votação deve ser retomada em breve, sobre o início da cobrança do Difal-ICMS – diferença entre a alíquota interestadual do ICMS e a alíquota interna do Estado destino – pode impactar fortemente o preço das vendas de produtos, principalmente online, pois a cobrança adicional tende a ser repassada aos preços finais.
Diante deste cenário alarmante, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) promoveu, em parceria com a Associação Brasileira Advocacia Tributária (Abat), a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o evento ICMS-Difal e a Segurança Jurídica – O que Esperar do STF, na última segunda-feira (10), em Brasília, no escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.
Caso a maioria dos ministros do Supremo decida pela cobrança do Difal desde 2022, Sarina Sasaki Manata, assessora jurídica da FecomercioSP, apontou, durante o evento, que grandes redes de comércio eletrônico e empresas de menor porte sentirão os impactos negativos imediatamente.
“Segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com dados do IBGE, o varejo online tem crescido a cada ano, e itens como de informática e comunicação, por exemplo, correspondem a 43% do comércio total. De acordo com a análise do economista Paulo Rabello de Castro, o peso do varejo online no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022 com a adição do Difal é de 3,3% e pode causar impacto considerável à política inflacionária. As empresas terão de reajustar os preços dos produtos, que podem ter uma elevação média de 12%”, afirmou. Esta alta nos preços seria composta por 7% do repasse do Difal mais 5% da inflação que havia sido projetada para o ano passado, resultando no aumento de 0,40% no IPCA.
Pressão dos Estados
Vale destacar que, no fim de 2022, o STF já havia formado maioria para definir a cobrança do Difal-ICMS a partir do ano seguinte. Contudo, após pedido de destaque pela presidência da Corte, em 12 de dezembro, interrompeu-se o julgamento, que só será retomado agora. Frente ao pedido de destaque, o caso passou do plenário virtual para o presencial e será julgado novamente.
Existe forte pressão dos fiscos estaduais pela cobrança do imposto desde 2022, com a justificativa de que os Estados perderiam arrecadação. Entretanto, desde 2002 há aumento da arrecadação – entre 2021 e 2022, houve alta de 7,48%, segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Além disso, os contribuintes já arcam com uma elevada carga tributária, que fechou o ano passado na casa dos 33,71% do PIB – da qual são destinados aos Estados 8,59% (6,98% apenas do ICMS). Segundo Sarina, seria injusto e danoso para a economia nacional que os impactos causados pela cobrança do Difal recaiam sobre consumidores e empresários, uma vez que já sofrem com a alta carga tributária atual.
Insegurança jurídica
O evento contou ainda com as presenças de Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF; Betina Grupenmacher, professora de Direito Tributário na Universidade Federal do Paraná (UFP); Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); e do jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
Os professores Scaff e Betina entendem que a decisão do STF deve respeitar o princípio da anterioridade, ou seja, o Difal deve ser cobrado a partir de 2023 para dar tempo ao contribuinte se preparar para arcar com a nova obrigatoriedade. “O princípio da anterioridade é de limite objetivo, que não tem carga valorativa e, portanto, não há dúvidas sobre sua aplicação”, ponderou a professora da UFP.
Já Scaff avaliou que devem ser respeitadas as diversas previsões da anterioridade neste caso, como a prevista na Constituição Federal, a contida na Lei Complementar (LC) 190/2022 (art. 3º) e, ainda, o preceito da divulgação, em portal próprio, das informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, nas operações e prestações interestaduais (art. 24-A, § 4º, da LC 87/96). “Esta questão envolve federalismo, rateio do Estado origem/destino e, portanto, cláusula pétrea”, atestou o professor da USP.
O ex-ministro Ayres Britto ressaltou a importância da democracia e da preservação dos princípios constitucionais. “O objetivo deste encontro é mostrar que o regime jurídico é matricialmente constitucional e, portanto, esta matéria [da cobrança do Difal] deve ser tratada da mesma forma”, pontuou.
Trajetória de luta
A FecomercioSP acompanha o assunto do Difal-ICMS desde 2015, quando foi editado o Convênio ICMS 93/2015, declarado inconstitucional pelo STF em fevereiro de 2021, na ADI 5.469, ocasião em que a Federação atuou no amicus curiae.
Apesar de o histórico do Difal ser longo, o fator mais preocupante aconteceu recentemente. Em dezembro de 2021, o Congresso aprovou um projeto que regulamentaria a cobrança da medida nas operações e prestações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte do imposto. Mesmo precisando de ajustes pontuais, a proposta se transformou na Lei Complementar 190/2022. Entretanto, a lei foi publicada apenas em 5 de janeiro de 2022, gerando nova discussão no Judiciário, uma vez que os Estados passaram a exigir o imposto no mesmo ano.
A FecomercioSP entende que, ao se respeitarem os princípios da anterioridade anual, o Difal-ICMS só poderia ser exigido a partir de 1º de janeiro de 2023. Diante do novo julgamento do STF sobre a matéria, a Entidade entende que já é reconhecido, pela jurisprudência da Corte, a veracidade de que o Difal incontestavelmente criou uma obrigação tributária, ou seja, instituiu novo tributo, devendo se sujeitar à regra que veda a cobrança do imposto no mesmo ano em a sua lei instituidora foi publicada.
O que está em "jogo" com a votação no STF? Entenda aqui.