Encurtar a distância entre a faculdade e o mercado de trabalho. Com este objetivo, estudantes de Ciências Contábeis recorrem aos estágios e programas de trainee para dar os primeiros passos na profissão. Além de exercer a contabilidade desde cedo, eles têm a oportunidade de relacionar o conhecimento adquirido no ofício com a rotina acadêmica. Mais do que uma remuneração ao final do mês, o esforço realizado para conciliar aula e jornada laboral gera reflexos no futuro. Um início de carreira precoce pode ser determinante para a pavimentação de uma trajetória bem-sucedida.
Estudante do terceiro semestre da graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Morgana Belardinelli, 20 anos, destaca que o grau de exigência dos empregadores é alto até mesmo para os aprendizes. “É essencial tu fazeres estágios antes de se formar. Tenho amigas que resolveram buscar uma vaga tarde e estão com dificuldade de encontrar devido à falta de experiência. Por isso, quanto mais bagagem tu tiveres, melhor”, atesta a estagiária da Dell. Responsável pela contabilização de exportações e importações, Morgana chegou a atuar por nove meses em um escritório contábil antes de chegar à multinacional. Na companhia, ela recebe acompanhamento de uma funcionária, a madrinha, encarregada de ensinar e supervisionar a função.
Uma série de fatores influencia a escolha das organizações na hora de escolher alguém como estagiário ou trainee. A gana por aprendizado aliada ao conhecimento técnico constitui-se na fórmula ideal para fisgar os contratantes. Desta forma, o conhecimento do modelo de normas internacionais, o domínio dos processos digitais e as habilidades gerenciais são alguns dos itens-chave nos processos seletivos. “O pretendente que já possui uma base desses sistemas tem um diferencial. Os estudantes atentos às mudanças que a contabilidade vem passando, chegam com um handicap maior no mercado”, analisa o vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Orian Kubaski.
A visão empreendedora foi crucial para que Patrícia Oliveira, 20 anos, fosse efetivada como trainee da PricewaterhouseCoopers (PwC). Atualmente no sétimo semestre do curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), a jovem chegou a administrar uma empresa de recarga de cartuchos junto com o irmão. A experiência prévia foi ratificada através do bom desempenho nas avaliações e entrevistas. Em 2010, ela obteve uma das 500 posições abertas pela PwC em todo o País. Na ocasião, 18 mil pessoas inscreveram-se na seleção.
Devido às tarefas como auditora, Patrícia possui uma rotina atribulada. Seja no Interior do Estado, Curitiba ou São Paulo, o local de realização das tarefas varia constantemente. “A principal dificuldade que tenho é controlar as faltas na faculdade. Como viajamos muito, perdemos algumas aulas. Mas quando tenho prova, sempre converso com o pessoal da empresa. Eles entendem isso e acabam dando prioridade para quem já está formado”, conta, mencionando que a vivência prática a está ajudando nos estudos.
A dois passos da sociedade
Ao ser contratada como trainee da Ernst & Young Terco em 2000, a carioca Raquel Cerqueira, então com 20 anos de idade, já tinha em mente o esboço de como seria sua trajetória profissional. Desde o momento em que foi admitida no escritório da empresa em Porto Alegre, ela começou a traçar metas e conjeturar seu futuro dentro da companhia. Mesmo em início de carreira, um objetivo em especial lhe atraía: tornar-se sócia.
Onze anos depois, a atual gerente sênior está a dois passos de alcançar o topo. Apenas a função de sênior executivo a separa de figurar entre os integrantes da sociedade. Mas até chegar a essa condição, a auditora percorreu um longo caminho. Formada em Ciências Contábeis pela Ufrgs, Raquel exerceu as atividades de assistente, sênior e gerente. Satisfeita com sua evolução no trabalho, ela sequer cogita trocar de empresa ou área de atuação. “Estou muito realizada. Esta é uma carreira que vale a pena, mas tu precisas te dedicar e também investir um pouco do teu tempo pessoal”, diz Raquel, que veio para a Capital gaúcha ainda na infância, com a família.
A posição conquistada dentro da companhia acabou rendendo à funcionária novas atribuições. Entre elas, a participação nos processos seletivos. A cada ano, Raquel depara-se com candidatos em situação idêntica à sua uma década atrás. “Eu sempre digo para os pretendentes que um dia estive no lugar deles. Tento mostrar para eles que, demonstrando vontade, todos são capazes”, relata.
Oferta de estágios é vasta
Responsáveis por fazer o meio de campo entre estudante e empregador, as centrais de estágios oferecem uma ampla relação de vagas na área de Ciências Contábeis. Com oportunidades de trabalho disponíveis em bancos, escritórios e até organizações de grande porte, basta determinação para conquistar um posto. Entretanto, preencher os espaços vazios pode ser uma tarefa árdua às vezes. Na Fundação Irmão José Otão (Fijo), entidade que faz o encaminhamento de acadêmicos da Pucrs, a fartura de possibilidades contrasta com a escassez de candidatos.
“Ao abrir uma vaga em Administração de Empresas, aparecem uns dez candidatos no mesmo dia. Em Contábeis, quando vem uma pessoa, é dois ou três dias depois da abertura. Essa lentidão faz com que muitas empresas encerrem a solicitação sem conseguir alguém para o lugar”, lamenta Carla Breto, responsável pelas vagas de estágio da Fijo. Ao todo, 154 dos 438 graduandos da universidade possuem cadastro na fundação. Em março, 49 alunos receberam direcionamento, número pequeno se comparado a outros cursos.
Segundo Carla, há uma justificativa para o pouco interesse dos estudantes de Contábeis: muitos deles já possuem emprego fixo. Para contornar essa situação, a Fijo aposta na articulação junto aos coordenadores da faculdade e na divulgação das oportunidades em sala de aula e por meio de cartazes. Os empregadores também estão agindo. A elevação dos valores das bolsas remuneratórias foi a saída encontrada para atrair os pretendentes. Hoje, um estagiário recebe entre R$ 330,00 e R$ 1.000,00.
Entre as exigências feitas pelos contratantes está o conhecimento básico dos processos contábeis, por isso a preferência por educandos situados do quarto semestre em diante. Neste contexto, as constantes mudanças vividas pela contabilidade influenciam o perfil do funcionário procurado. “O grau de exigência dos empregadores aumentou. Além da parte técnica, a tecnologia tornou-se um diferencial em todas as áreas, mas na contabilidade ainda mais”, garante o gerente de relações institucionais do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) no Estado, Cláudio Bins.
No Ciee, Ciências Contábeis é o sexto curso em número de demandas. Com atuação em 80% dos municípios gaúchos, a central planeja utilizar as redes sociais para ampliar a divulgação das vagas abertas. A ação começará a ser desenvolvida a partir deste mês.
Grandes empresas investem em programas de trainee
Para as organizações, um investimento em alguém promissor. Para estudantes e recém-formados, a possibilidade de construir uma carreira estável. Com o objetivo de transformar um jovem talentoso em potencial mandatário, as grandes empresas contábeis têm apostado na contratação de profissionais com perspectiva de aproveitamento à longo prazo. Neste sentido, os programas de trainee configuraram-se na alternativa ideal para as companhias moldarem o contador a sua maneira, capacitando-o para alcançar a posição máxima no futuro. Afinal, quem hoje é trainee, amanhã pode ser sócio.
Nas gigantes da área de auditoria, as Big Four, a permanência desses contadores após o término do primeiro contrato ocorre com frequência. Desde a entrada no escritório, os candidatos aprovados no processo seletivo têm um plano de carreira traçado. Esse é um dos fatores que acirra a disputa por uma vaga nas multinacionais Deloitte, Ernst & Young Terco, KPMG e PricewaterhouseCoopers (PwC). A filtragem dos pretendentes ocorre em várias etapas, por meio de provas sobre conhecimentos específicos e entrevistas com gerentes e sócios.
O domínio teórico, todavia, é apenas um dos requisitos levados em conta pelos empregadores. “Buscamos uma pessoa proativa, que demonstre vontade de aprender e tenha humildade para reconhecer que ainda há coisas a serem aprendidas. Não adianta chegar aqui e pensar que vai se tornar sócio no dia seguinte”, afirma o supervisor de auditoria da PwC, Sérgio Porciúncula.
Para evitar que etapas no caminho até a sociedade sejam queimadas, o planejamento torna-se essencial. Um passo avançado no momento errado pode prejudicar o desenvolvimento do profissional. “Não podemos antecipar a carreira da pessoa. Ela tem de avançar degrau por degrau, adquirindo bagagem e conhecimento necessários para assumir maiores responsabilidades. Por isso, procuramos acomodá-la dentro de cada passo da carreira por determinado período”, justifica Américo Ferreira Neto, um dos sócios responsáveis pelo escritório da Ernst & Young Terco em Porto Alegre.
Outra preocupação das empresas refere-se à adaptação do contador no ambiente de trabalho. Para entrosá-lo com os colegas e familiarizá-lo com as normas do local, são realizados treinamentos e programas internos.