O Pacto Global da ONU no Brasil lançou, em Brasília, a Aliança pelos Direitos Humanos e Empresas (ADHE). A iniciativa é criada para trazer a pauta para o centro das decisões e nortear as discussões sobre proteção e respeito aos direitos humanos no âmbito corporativo.
A novidade conta com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio do projeto de Conduta Empresarial Responsável na América Latina e Caribe (CERALC), do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Essa iniciativa tem alto potencial para, por meio das organizações, contribuir de forma efetiva para o fortalecimento das condições de proteção e respeito aos direitos humanos no Brasil, por meio do tripé de engajamento, articulação e capacitação das organizações nacionais. Queremos impulsionar processos de devida diligência em direitos humanos, minimizar as violações e aumentar as reparações”, diz Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil.
O evento reuniu lideranças empresariais, do poder público e de organismos multilaterais e contou com as presenças de Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, Vinícius Carvalho Pinheiro, diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Angela Terto, representante do ACNUDH no Brasil, Germán Zarama, ponto focal da OCDE para a América Latina e o Caribe (por vídeo), Flávia Scabin, especialista de Empresas e Direitos Humanos do ACNUDH Brasil, Rosane da Silva, secretária nacional de Autonomia Econômica e Cuidado (SENAEC) e Ana Fontes (fundadora da Rede Mulher Empreendedora – RME e do Instituto RME e vice-presidente do Conselho de Administração do Pacto Global da ONU no Brasil).
Representantes das embaixadas do Reino Unido, Uruguai, Colômbia, Alemanha e Países Baixos também estiveram presentes. “A nossa experiência é que é muito difícil fiscalizar esse tema. O governo do Reino Unido tem um foco de prevenção. É muito importante criar essa tendência internacional para combater esse problema (as violações). Acredito que a experiência no Brasil é muito diferente da nossa, mas espero que possamos compartilhar aprendizados sobre essa situação”, disse Joanna Perrens, conselheira política da embaixada do Reino Unido no Brasil.
A aprovação do texto da Convenção Nº 190, enviada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em março deste ano, é uma das prioridades da Aliança. Aprovada em 2019 pela OIT, a Convenção Nº 190 representa um importante marco no reconhecimento da violência e do assédio no ambiente de trabalho como violações fundamentais dos direitos humanos.
A iniciativa também visa contribuir qualitativamente com as discussões sobre o PL 572/2022, que institui o Marco Nacional de Empresas e Direitos Humanos, e com a Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas, anunciada como prioridade pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
A Aliança - que também tem entre seus parceiros a Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF) e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) - pretende identificar oportunidades de avanço concreto, lições aprendidas e compartilhar boas práticas nas áreas da devida diligência em Direitos Humanos (DDDH), em articulação com o Fórum Regional de Empresas e Direitos Humanos, o Projeto de Conduta Empresarial Responsável na América Latina e no Caribe (Ceralc) e o Fórum Global sobre Empresas e Direitos Humanos.
Para isso, a organizações buscam um espaço para diálogo constante e aprendizagem coletiva sobre os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos no Brasil e o Código de Conduta Responsável da OCDE. O trabalho será desempenhado com parcerias multiatores para facilitar a colaboração entre especialistas e ações coletivas em direitos humanos, e influenciar positivamente a agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança) das empresas no Brasil, a partir do fortalecimento da dimensão social representada pelos direitos humanos, que, no entanto, vão muito além do S (que representa o Social na sigla ESG).
Ainda serão criados critérios mínimos, medianos e ideais de atuação sobre EDH a partir do engajamento de especialistas no setor e de provocações e reflexões da sociedade civil organizada e sindicatos, bem como associações empresariais, que também estão tomando assento na Aliança. Um dos diferenciais desta iniciativa será a participação, na mesma mesa, da sociedade civil e empresas.
A iniciativa estará disponível para toda a sociedade e será acessível a pequenas, médias (PMEs) e grandes empresas, inclusive aquelas que ainda não aderiram ao Pacto Global da ONU no Brasil. Está sendo criado um Comitê Consultivo, composto por organizações e personalidades de referência no tema nos setores público e privado, sociedade civil, academia e organismos multilaterais.
Com a meta de trazer conhecimento e experiência adicionais à visão da iniciativa e sua estrutura de gestão, o grupo acompanhará os trabalhos e ações da Aliança. Entre outras responsabilidades, o comitê irá participar da seleção na premiação das melhores práticas nacionais do tema, participar das definições estratégicas, provocar reflexões tendo os detentores de direito na centralidade das ações e promover discussões de melhores práticas de remediação.
“Uma conduta empresarial responsável implica que as empresas contribuam para o desenvolvimento sustentável, respeitando os direitos fundamentais do trabalho. Ela contribui para a construção de um ambiente empresarial seguro e saudável, mais produtivo, livre de trabalho escravo e trabalho infantil, livre de qualquer tipo de discriminação e que respeita os princípios de liberdade de associação e negociação coletiva. É uma responsabilidade partilhada entre governos, empresas, trabalhadores e a sociedade em geral, em que todos têm uma contribuição a dar", disse o diretor do Escritório da OIT para ao Brasil, Vinícius Pinheiro.
"Eu fico particularmente feliz que a Aliança tenha sido lançada no momento em que o Congresso brasileiro avalia a ratificação de cinco normas internacionais do Trabalho da OIT, entre elas a Convenção No. 190, sobre Assédio e Violência no trabalho. As convenções buscam assegurar a construção de um mundo do trabalho com igualdade de gênero e justiça social para todas as pessoas“, acrescentou Pinheiro.
Ações futuras
Para colocar a iniciativa em prática estão previstas diversas ações, como o lançamento de uma ferramenta online, gratuita e confidencial, a BHR Gap Analysis Tool, para identificar os pontos fortes, lacunas e oportunidades para avançar na agenda de direitos humanos na corporação. A ferramenta, que estará disponível no início de 2024, fará a análise com base nos Princípios Orientadores e trará perguntas dirigidas para PMEs e grandes empresas.
Os primeiros resultados devem ser divulgados no Fórum Regional e Global de EDH que ocorrem, respectivamente, em outubro e novembro, e vão permitir identificar as principais deficiências e oportunidades de trabalhar os direitos humanos no meio corporativo brasileiro. A BHR Gap Analysis Tool ficará disponível durante todo o ano para a participação das empresas e as respostas serão agregadas e não individualizadas.
“BHR Gap Analysis tool é uma ferramenta inovadora, que possibilitará das grandes às pequenas empresas terem uma análise dos principais impactos e ações esperadas do setor empresarial, conectando com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, a Declaração sobre Empresas Multinacionais da OIT e o Guia da OCDE de devida diligência para uma conduta empresarial responsável, bem como legislações locais.
A empresa receberá um autodiagnóstico que possibilitará endereçar as principais lacunas no tema, assim como se comparar com empresas do mesmo setor e localidade. Por fim, ela também receberá de forma automática um menu para mergulhar na temática de forma ´self-service´”, explica Tayná Leite, head de Direitos Humanos e Trabalho do Pacto Global da ONU no Brasil.
O que mais a Aliança vai oferecer:
• As companhias que tiverem interesse em avançar na agenda com o apoio das ferramentas disponibilizadas pela Aliança também receberão treinamento de metodologias de devida diligência em direitos humanos especificamente desenvolvidas pela ADHE, por meio de diferentes espaços de discussão setorial, com reflexões aprofundadas sobre as especificidades das organizações e sua atuação, para atender a diferentes realidades e desafios.
• Serão criados e continuados ainda grupos de trabalho setoriais de discussão e fomento sobre EDH, além de núcleos para discussão sobre os principais marcos regulatórios internacionais, o Plano Nacional de Ação em Direitos Humanos (NAP), reparação, convenções internacionais no tema EDH, entre outros tópicos.
• Estão previstos no ano que vem a realização no Brasil do Fórum Brasileiro de EDH, um espaço de diálogo e aprendizagem coletiva entre órgãos de governo, empresas, sociedade civil, academia, agências da ONU e outros atores relevantes para os direitos humanos; e o lançamento do Prêmio Brasileiro de EDH, que reconhecerá lições aprendidas e boas práticas de ações empresariais que demonstrarem compromisso e inovação na gestão de direitos humanos em suas operações próprias, cadeias de valor e comunidades no entorno.
• Vão integrar as ações da Aliança iniciativas já existentes do Pacto Global da ONU no Brasil, como a Plataforma de Ação pelos Direitos Humanos, que conta com 315 organizações, e as ações setoriais, como o setor elétrico-energético e setor financeiro (iniciadas em 2023), além de outros setores a serem lançados para 2024, como o têxtil e de reparação.
A Aliança pelos Direitos Humanos e Empresas tem a parceria estratégica da AlmapBBDO, da BMJ Consultoria e Relações Governamentais, da Falconi Consultoria e Tecnologia em Gestão Empresarial, da Fundação Getúlio Vargas e da agência de comunicação InPress Porter Novelli.
Políticas de direitos humanos nas corporações no Brasil
Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas (POs), aprovados por unanimidade pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, foram criados com o objetivo de estabelecer um parâmetro mínimo global, com base em direitos humanos, a partir do qual possa ser cobrada responsabilidade das empresas e garantido que detentores de direitos recebam reparação efetiva.
Segundo dados do Corporate Human Rights Benchmark de 2022, 36% das empresas avaliadas pontuaram zero em DDDH, o que demonstra um pequeno progresso em relação a análises anteriores. E entre as 30 maiores empresas brasileiras, 20% possuem um mecanismo formal para identificação de riscos e impactos nos direitos humanos. Deste total, 57% não indicam qualquer forma de implementação do mecanismo.
No Brasil, segundo a análise mais recente da Trilha de Direitos Humanos do Pacto Global da ONU, realizada em 2022, 90% dos respondentes informaram possuir compromisso com direitos humanos, contudo, somente 26% afirmaram ter uma política específica para direitos humanos.
“Sendo assim, a pressão regulatória se torna cada vez mais essencial na incorporação de práticas sobre o respeito aos direitos humanos pelas empresas, assim como a devida responsabilização em casos de violações. Com a criação da Aliança, o Pacto Global da ONU no Brasil busca direcionar da melhor maneira possível as empresas para que o tema da promoção, do respeito e da remediação sejam continuamente abordados entre as organizações de referência no tema”, analisa Tayná Leite.