O ano é 1961 e o Savage de 5 anos de idade está interpretando o anjo Gabriel na peça da escola. Ele tinha apenas uma fala: "venham aqui, pequenos anjos".
Mal sabia ele na época, mas o medo e a ansiedade daquele momento o acompanhariam durante toda a sua carreira inteira. "Eu só lembro de pensar que não conseguia fazer aquilo, 'eu não consigo falar diante de todas essas pessoas'", Savage lembra. "Eu estava completamente tremendo quando a cortina subiu. Minha voz tremia e eu fiquei olhando para o chão. Depois disso eu evitei qualquer situação em que precisava falar em público".
Depois da escola ele se tornou um farmacêutico, atraído pela segurança da tela de vidro que separava ele de seus clientes.
Em 2000, ele foi convidado a dar um treinamento para a rede de farmácias em que trabalhava. "Em vez de simplesmente trabalhar com as pessoas na minha própria farmácia, agora eu tinha a oportunidade de ajudar a desenvolver equipes em 400 farmácias. E eu pensei 'bem, isso vai ser ótimo'... Até eu lembrar do meu bloqueio".
Era como se o episódio "venham aqui, pequenos anjos" se repetisse. Ele não sabia se era capaz.
Fator medo
Muitos de nós nos escondemos da fala em público. Uma pesquisa de 2014 da Universidade de Chapman indicou que o medo de falar em público era a maior fobia entre os participantes - 25,3% deles tinham medo de falar diante de uma plateia.
No entanto, esse medo pode estar limitando sua carreira. Uma pesquisa com mais de 600 empregadores em 2014 descobriu que entre as principais habilidades que os recrutadores procuram, "comunicação oral" é a número um e "talento para apresentação" é a número quatro, enquanto habilidades tradicionais de administração como "coordenar atividades administrativas" ficaram em último.
Mesmo assim, uma pesquisa online de 2014 com 2.031 funcionários americanos descobriu que 12% estão dispostos a abrir mão disso e deixar outra pessoa fazer a apresentação, mesmo se isso lhes custar mais respeito no ambiente de trabalho. Entre os que se apresentavam, quase 70% concordaram que isso foi determinante para seu sucesso no trabalho.
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Muitas pessoas dizem que seu medo de falar em público interfere em suas vidas. Há muitas pesquisas mostrando que a ansiedade no local de trabalho pode levar a um desempenho pior. O famoso bilionário Warren Buffett diz que um curso para aprender a falar em público foi em parte responsável pelo seu sucesso.
Apesar de boa parte do trabalho no mundo hoje ser feita via telas de computador, a progressão na carreira ainda depende de ser visto e ouvido. Um relatório da IBM que dá conselhos a gerentes mulheres sobre como chegar a posições executivas recomenda que elas se voluntariem para discussões em painéis, assim como escrever em blogs e tuitar para fazer com que seu trabalho fique conhecido na empresa.
Harvey Coleman, consultor e autor do livro Empowering Yourself ("Empodere-se", em tradução livre), identifica três fatores para o sucesso na carreira: desempenho, imagem e exposição. Contudo, eles não têm o mesmo peso, já que exposição vale 60%, imagem 30% e desempenho 10%.
"Falar em público não é mais opcional na sua vida professional", concorda o treinador de discurso Steve Bustin, autor do Guia de Autoridade para Apresentação e Fala em Público.
"É uma habilidade essencial que precise ser aprendida e praticada como qualquer outra", diz ele. "Muitas entrevistas de emprego, especialmente para cargos mais altos, agora exigem uma apresentação ao painel (de executivos) durante a entrevista".
Conforme as videoconferências substituem os telefonemas, muitos funcionários sentem que passam mais tempo face-a-face com colegas. "A ideia da comunicação 'um-para-muitos' é bem forte no momento", diz Bustin. "Algumas conferências agora estão enviando apresentadores, outras estão criando um link para vídeo e você precisa se apresentar para o escritório".
A popularidade e a influência das palestras TED também mudaram as expectativas das audiências. Inicialmente criada como uma conferência anual sobre tecnologia e design em Vancouver (Canadá) em 1984 e disponibilizada online desde 2006 com o slogan "ideias novas que valem a pena ser compartilhadas", as palestras se tornaram um fenômeno cultural. Com uma variedade de especialistas falando durante apenas 20 minutos, elas foram vistas bilhões de vezes na internet e traduzidas a mais de 100 línguas.
Bustin diz que a habilidade desses apresentadores fez com que as expectativas para o resto de nós subissem. "Você agora pode assistir a ótimos apresentadores no YouTube e quando as pessoas vão a conferências ou eventos de trabalho elas esperam que os apresentadores sejam tão bons quanto".
Isso não é uma boa notícia para aqueles com medo de falar em público. Até os que se apresentam para seus colegas apenas algumas vezes ao ano acham difícil evoluir, segundo o psicólogo ocupacional e consultor de negócios Gary Luffman, baseado em Brighton (Inglaterra).
"Algumas das pessoas com quem trabalho podem ter que se apresentar uma vez ao ano ou a cada bimestre e nessas situações não é muito fácil deixar de pensar nisso".
Fugir ou encarar?
O motivo pelo qual temos esse medo é natural e profundamente enraizado. Nossos cérebros têm de três a quatro vezes mais chances de ver uma ameaça em vez de uma recompensa, diz Luffman. "Então quando estamos diante de um grupo de pessoas que você não conhece... Vamos para o modo ameaça".
Nosso cérebro entra então no modo "fugir ou encarar". Quando isso acontece, a adrenalina é liberada na corpo e o batimento cardíaco aumenta - o que é ótimo se você quer correr ou brigar, mas ficar parado com essa injeção de energia pode bloquear sua garganta e fazer você corar e suar.
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Preparação é o segredo para falar com sucesso, dizem ambos Bustin e Luffman. Em vez de memorizar seu roteiro inteiro, eles recomendam que você memorize suas primeiras duas ou três frases ou os primeiros minutos para que você tenha um bom começo. Depois disso, use slides com dicas para ir até os últimos estágios de sua apresentação.
Luffman também sugere ir ver o local da apresentação antes, checar como é a plateia e onde você vai ficar. "O cérebro reage similarmente ao fazer algo e ao pensar em algo".
"Então se antes você conseguir montar uma imagem na sua mente, isso reduz a ansiedade".
Não há, porém, um substituto para a prática diante de pessoas de verdade. Muitos entraram na organização internacional de fala em público Toastmasters para praticar a habilidade - incluindo Glen Savage. Em 2000, quando pôde escolher entre ficar no balcão da farmácia ou fazer o treinamento, ele decidiu encarar seu medo.
Com a ajuda extra do treinamento de Programação Neurolinguística (NLP, na sigla em inglês), que trata da estrutura da linguagem e os padrões de comportamento das pessoas - ele começou a superar suas "crenças e ansiedades limitadoras". O momento de mudança foi um conselho-chave: "não é sobre você, é sobre a audiência".
"Para a maioria das pessoas que têm medo de falar em público, isso é baseado no foco em si: 'e se eu for um desastre? E se eu fracassar?'... Na verdade, o mais importante é que a mensagem chegue até a audiência. Se eles gostarem de você, é um bônus", diz ele.
Mais de 50 anos depois de seu pesadelo infantil, Savage subiu em um palco para dar um discurso de destaque na Conferência de Profissionais de Farmácia da Austrália em 2015 - uma conferência com quatro dias de duração e mais de 4 mil delegados. "Eu pensei que era um grande prazer e privilégio ter a oportunidade de falar com essas pessoas e compartilhar algumas ideias em vez de pensar 'isso é traumático'". Ele agora apresenta conferências com frequência e dá treinamentos sobre como superar esses medos.
Se ele se pergunta o que teria acontecido se não tivesse decidido se superar? "Isso certamente teria limitado na minha carreira. Acho que eu teria estagnado".