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Brasil tem a 2ª maior tarifa de celular do mundo

Pesquisa aponta país com preço compatível com a África, onde a infraestrutura é precária; Anatel tenta corrigir distorção

Uma pesquisa recente da consultoria europeia Bernstein Research colocou o minuto de celular no Brasil em segundo lugar entre os mais caros do mundo. O país só perde para a África do Sul e está à frente da Nigéria. O que o levantamento não revelou é que as tarifas são elevadas porque o governo brasileiro não abre mão de impostos e as operadoras não querem baixar o valor extra cobrado por minuto de seus clientes quando estes telefonam para um assinante da concorrente.

Resultado: em média, o consumidor brasileiro paga R$ 0,45 por minuto, segundo a pesquisa, em chamadas locais para celulares da própria operadora. Esse valor passa de R$ 1 caso a chamada termine em um número da operadora móvel concorrente.

Há anos, as teles, por meio de sua associação, a Acel, defendem a redução da carga tributária que, em média, é de 42% do preço por minuto ao consumidor. O setor diz que é uma das cargas mais pesadas do mundo.

Até o momento, o governo -tanto o estadual quanto o federal- não deu nenhuma sinalização de que irá baixar as alíquotas que incidem sobre o serviço. Dados da Telebrasil, associação que reúne representantes do setor de telecomunicações (incluindo as teles fixas e móveis), revelam que, em alguns Estados, a arrecadação com serviços de telecomunicações chega a 40% do total.

Não é só imposto

Mas não é só isso que pesa para o consumidor. A conta também sobe porque as operadoras móveis não querem perder parte de sua receita de interconexão, valor cobrado por minuto nas ligações que, para serem completadas, precisam passar pela rede de companhias concorrentes.

Em média, esse valor oscila entre R$ 0,40 e R$ 0,45 por minuto e é adicionado ao preço do minuto definido em contrato pela operadora nos planos pré e pós-pagos escolhidos pelo cliente. Entre o quarto trimestre de 2008 e o terceiro trimestre de 2009, TIM, Vivo e Oi angariaram R$ 4,9 bilhões com a interconexão. A Claro não divulga essa informação.

Esse valor representa a diferença entre o que essas operadoras pagaram às demais pelo uso de suas redes e o que receberam quando seus clientes foram chamados.

Apesar de elevada, a receita da interconexão vem caindo nos últimos anos porque as companhias passaram a fazer promoções, oferecendo planos com minutos mais baratos para chamadas locais entre telefones da mesma operadora. Isso para evitar o "tráfego sainte" -que gera custos.

"Grande parte desses recursos [de interconexão] é dinheiro na veia das operadoras", diz Paulo Mattos, diretor de regulamentação da Oi. "Se pegar a receita anual de todas elas [incluindo a própria Oi], 35% é dinheiro da interconexão."

Mattos afirma que esses valores praticados no Brasil são 150% superiores aos da Europa e dos EUA. "Isso infla o preço e deixa a chamada tão cara que o cliente de celular, principalmente o pré-pago, recebe uma chamada e vai usar o telefone fixo para retorná-la. É uma política que faz com que o tráfego de voz do país seja baixo."

Para as operadoras fixas, esse comportamento do consumidor virou "pesadelo". Isso porque, toda vez que um cliente usa um telefone fixo para chamar um celular, a operadora fixa também paga interconexão de cerca de R$ 0,40 o minuto. O problema é que, no caminho inverso, a móvel paga somente cerca de R$ 0,025 por minuto.

"As fixas estão subsidiando o desenvolvimento das móveis", diz Mattos. A Oi é bastante afetada por esse desequilíbrio, porque sua atuação na telefonia fixa engloba regiões do país de baixo poder aquisitivo em que o celular pré-pago tornou-se opção de acesso.

A GVT chegou a ir à Justiça contra as operadoras móveis, considerando abusivos os preços cobrados pela interconexão. A disputa foi parar até na SDE (Secretaria de Direito Econômico), órgão do Ministério da Justiça que investiga casos que podem ferir a concorrência comercial.

Pressão na Anatel

Na semana passada, a Oi recorreu à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) contra as concorrentes. No final de 2009, as operadoras foram obrigadas a reduzir o valor da interconexão por imposição contratual definida quando arremataram as licenças de 3G (telefonia de terceira geração), em 2007.

Aproveitando o momento, a Oi tentou negociar a interconexão com suas concorrentes a preço de custo e não sobretaxado como, segundo ela, vem sendo praticado pelo mercado.

Sem sucesso, ela recorreu à Anatel para arbitrar esse valor. Pelas regras do setor, quando esse tipo de situação acontece, a agência é obrigada a definir o preço pelo custo de uso da rede. Cobrar a interconexão considerando-se somente o custo das operadoras é algo que já deveria ter sido imposto pela agência desde janeiro de 2006.

"Mas até agora esse modelo não está vigente", diz Luiz Henrique da Silva, economista da TelComp, associação que representa operadoras pró competição. "Não sei dizer com base em que a Anatel define hoje esses preços, mas ela deveria cumprir o regulamento e implementar rapidamente o modelo de custo. Só assim o valor da interconexão vai baixar."

A disputa da Oi contra as concorrentes não acabou e deve se estender por pelo menos 18 meses, prazo que a Anatel levará até concluir e implementar seu modelo de custo. Enquanto isso, o consumidor paga a conta.

 

Anatel diz que consultoria vai estudar modelo

A Anatel informa que já contratou uma consultoria especializada para ajudá-la a definir o modelo de custo dos serviços prestados pelas operadoras móveis. O trabalho deverá ser concluído em 18 meses.

A UIT (União Internacional de Telecomunicações) participa desse projeto. A organização, ligada à ONU, atuou na elaboração desses sistemas de monitoramento de custos das teles em outros países. A Folha apurou que, nas próximas semanas, dois conselheiros irão encontrar o presidente da UIT, na Espanha, para tratar do tema.

Um desses conselheiros considera que a interconexão é um valor que deve ser cobrado, porque as operadoras têm custos toda vez que recebem ou efetuam chamadas entre redes diferentes. Para ele, funciona como a conta de água e de luz. Mesmo sem consumo, existe uma fatura mínima referente à comodidade de o serviço estar sendo oferecido ao cliente.

Contudo, os valores em vigor atualmente são considerados exorbitantes. A Folha apurou que a agência pretende acelerar a definição de um modelo de custos para que os consumidores possam utilizar o celular sem se preocupar tanto com o preço do minuto, como acontece em países desenvolvidos.

Segundo a consultoria Bernstein Research, nem mesmo em nações em desenvolvimento o minuto passa de R$ 0,10, já considerando impostos. Na Índia, cujo PIB (Produto Interno Bruto) se assemelha ao do Brasil, o minuto é R$ 0,02; na Indonésia e na China, R$ 0,06; no México, na Rússia e no Egito é R$ 0,10, mesmo preço cobrado nos EUA.

Recentemente, países da América Latina e Caribe começaram a revisão dos custos das operadoras para derrubar o preço do minuto. No Chile, a interconexão caiu pela metade.

O país do pré-pago

Não por acaso, 82% da base de clientes das operadoras brasileiras é de assinantes pré-pagos que usam o celular basicamente para receber chamadas. Esse comportamento coloca o tráfego de voz via celular no país entre os cinco mais baixos do mundo, segundo a UIT.

As teles afirmam que a interconexão está nesse patamar porque o investimento na telefonia celular é muito maior que na fixa, exigindo novos aportes a cada três anos.

Isso porque haveria uma evolução de tecnologias mais acelerada na plataforma móvel. Um exemplo: nem bem foram realizados os aportes na construção de uma rede de telefonia 3G (terceira geração) no Brasil e as operadoras já discutem os investimentos necessários ao 4G (quarta geração).

Por isso, elas dizem que não dá para abrir mão da receita da interconexão sem colocar algo no lugar. Além disso, ainda segundo as companhias, parte dessa receita ajuda a manter o cliente pré-pago, que gasta, em média, menos de R$ 10 por mês. Essa quantia não remunera o serviço e afeta a lucratividade da companhia. Resultado: com uma redução drástica da interconexão, seria preciso aumentar mais o minuto.

A TelComp, associação que representa as operadoras que defendem a competição, acredita que a redução da interconexão obrigaria as empresas a se tornarem mais eficientes, criando fórmulas e planos que atraiam novos clientes, estimulando justamente o uso do celular na realização de chamadas.

Foi o que aconteceu em países da Europa e nos EUA, que praticamente zeraram o valor da interconexão, fazendo com que o tráfego de voz saltasse rapidamente para um dos mais elevados do mundo. (JW)

TAXA: COBRANÇA POR LIGAÇÃO ENTRE OPERADORAS VEM DA PRIVATIZAÇÃO

A taxa de interconexão -paga por uma operadora a outra quando seu cliente chama um número da concorrente- foi criada após a privatização da Telebrás para acelerar a expansão da rede de telefonia móvel pelas empresas privadas que adquiriram as licenças da antiga estatal. Essa cobrança vigora em praticamente todos os países, mas os preços cederam com a consolidação das redes. No Brasil, ela costuma ser 150% superior ao valor cobrado na Europa e nos EUA.