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Cartões de crédito de lojas camuflam juros que chegam a 1.059% ao ano

À primeira vista, é só felicidade.

Vicente Nunes  -   Victor Martins

 

À primeira vista, é só felicidade. Mas todo o encantamento não dura mais do que 40 dias, quando a fatura chega. Essa tem sido a rotina de milhões de brasileiros, que se deslumbram com as facilidades oferecidas pelos cartões de lojas, chamados entre os empresários pelo nome de private label (selo próprio). Quando são oferecidos à clientela, o principal argumento é a facilidade de pagamento sem juros por oito, 10, 12 meses. A maioria, não informa, porém, que as parcelas ou a opção por rolar parte da dívida podem resultar no pagamento de encargos que chegam a 22,66% ao mês ou 1.059% ao ano. É o caso do Cartão Aura, oferecido pela financeira francesa Cetelem por meio de lojas como Fnac, Telha Norte, Colombo, Casa&Vídeo e pelo site Submarino.

Os custos aos consumidores são definidos por técnicos do Banco Central como “inaceitáveis”. Eles argumentam que a cobrança de juros em cartões é normal em qualquer país. “Mas o que vemos no Brasil é um quadro de abusos. Por isso, podem esperar: até o fim deste mês soltaremos medidas para pôr ordem em todo o mercado de cartões, nos de lojas e nos de crédito tradicionais”, diz um dos funcionários do BC. “Não podemos mais deixar esse segmento tão importante, que movimenta mais de R$ 150 bilhões por ano, continuar sem regras claras”, acrescenta.

As armadilhas impostas aos mais desavisados começam por meio de um contato dos funcionários contratados pelas redes de varejo para captar clientes. Uma relação que deveria ser de respeito se transforma em dor de cabeça para os consumidores. Isso acontece porque, na ânsia de não perderem o emprego, os captadores sempre escondem a parte ruim do negócio, os juros altos. Mais que isso: como cada um deles precisa, em média, fazer 500 cartões por mês, pedem referências pessoais aos que estão preenchendo as fichas. Só que essas referências também recebem cartões, mesmo desconhecendo o assunto, o que fere o Código de Defesa do Consumidor.

Não é à toa que esses cartões estão no topo do ranking de reclamações dos órgãos de proteção do consumo. Pelos registros do Procon de São Paulo, entre 2006 e 2008, as queixas contra o cartão de uma grande rede de lojas de vestuário, administrado pelo Banco IBI, aumentaram 348%. Procurada pelo Correio, o IBI assegura, por meio de sua assessoria de imprensa, que, “junto com seus parceiros, busca sempre oferecer os melhores produtos e condições, avaliando o perfil de cada cliente”. O banco ressalta ainda que, para perfis de menor risco, tem como oferecer condições diferenciadas.

Descontrole

João Batista, 20 anos, ganha um salário mínimo como vigia e, nos dias de folga, mais R$ 70 para distribuir propaganda nas ruas. O primeiro cartão de loja que fez o deixou fascinado por poder pagar, todos os meses, apenas o mínimo da fatura. Sem se dar conta de que estava construindo uma bola de neve, ao arcar com juros altos, meteu os pés pelas mãos. Apesar do sufoco para honrar os compromissos, voltou a fazer um novo cartão. Mas garante que aprendeu a lição. “O negócio é comprar apenas o que se pode pagar no vencimento”, diz.

Para a Ione Amorim, economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o ideal é que, desde o início, os que recorrem a cartões não se deixem impressionar com a chance de comprar a prazo, sem burocracia ou pegar dinheiro emprestado. “Por estarem livres de controle, esses cartões cometem vários tipos de abuso”, afirma. “Portanto, todo cuidado é pouco. O problema não é pegar o cartão, que, se bem usado, pode ser um aliado do consumidor. O perigo é o descontrole”, acrescenta.

Ela ressalta que as diversas violações ao direito do consumidor envolvem envio de produto sem prévia solicitação, cobrança indevida, não cumprimento de contrato e lançamentos não reconhecidos nas faturas. “O consumidor entra nas lojas e é pressionado a fazer o cartão, mas ele não recebe o contrato informando as tarifas e os juros que tem de arcar”, alerta.

Vítima dessas armadilhas, a estudante Débora Barbosa, 23, não se conforma. Ela passeava por um shopping quando lhe ofereceram um cartão. Aceitou apenas o da loja. Mas, passados alguns dias, recebeu um de crédito. “Não assinei contrato por esse cartão e disse claramente que não queria”, frisa.

O vendedor Anatelson Mendes, 48, conta que só fez um cartão de loja para ajudar a captadora que o abordou. Ele assinou os papéis que lhe foram entregues sem se preocupar com os compromissos que estava assumido. Sequer sabia que tinha de pagar taxa de manutenção entre R$ 3 e R$ 6 por mês, taxa de anuidade de R$ 30 e, claro, juros. No entender do diretor-presidente do Procon DF, Ricardo Pires, essa atitude foi errada. Antes de aceitar um cartão, é preciso conhecer todos os detalhes do produto. “É preciso ter consciência do que comprar e como usar esses cartões”, aconselha.

O diretor de Relações com os Investidores das Lojas Renner, José Carlos Hruby, acrescenta que, se o uso for consciente, o cartão de loja pode facilitar a vida dos consumidores, pois é possível dividir as compras em até cinco vezes sem juros. Ele reconhece, porém, que as atuais taxas estão elevadas e têm um bom espaço para cair. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Carrefour destaca que suas taxas (de até 15,99% ao mês) estão de acordo com a média de mercado e que a inadimplência sob controle poderá ajudar a reduzir os custos dos financiamentos. A rede C&A, Extra, Pão de Açúcar, Riachuelo, Lojas Marisa, Financeira Cetelem e Itaú Unibanco optaram pelo silêncio.

Expansão rápida

Dados da Associação Brasileira de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) indicam que há 188,6 milhões de cartões de lojas circulando pelo país. Na comparação entre 2009 e 2008, mês a mês, a procura por essa modalidade de crédito tem aumentado, em média, 16,75%. São cerca de 90 milhões de transações ao mês. Em agosto deste ano, esse segmento movimentou R$ 5,2 bilhões, alta de 13% frente a igual mês do ano passado. Os private labels superam os cartões de crédito em 57 milhões e se aproximam rapidamente dos de débito.