Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá
O julgamento racional de qualquer matéria depende do estabelecimento de relações que possam ensejar através do raciocínio a afirmação ou negação sobre algo; no caso presente, no tangente às referidas como “Normas Internacionais de Contabilidade” o ponto de partida de ligações é o do motivo que origina o procedimento, ou seja, a informação.
Premissa alicerçal, portanto, é a admissão de que informar é relatar sobre o que se investiga, percebe ou raciocina e, também a concepção de que tal outorga representa uma forma de “poder” que influi como opinião, do mesmo defluindo o império da verdade ou da mentira.
Fazer que a informação alcance aos interessados de forma clara e exata implica além de compromisso técnico um dever ético.
Como conjunto de conhecimento sobre determinado assunto a informação requer, fundamentalmente, respeito a condições específicas, podendo constituir-se em uma “tecnologia”; isto, entretanto requer submissão a preceitos derivados de doutrinas aferrados à “realidade objetiva”.
É nesse sentido que a informação sobre a riqueza dos empreendimentos quanto a formação e transformação da mesma é uma Tecnologia Contábil cuja utilidade é vasta em todas as partes do mundo.
Fazer, pois, que uma demonstração contábil seja entendida em todas as partes, sem dificuldades, com sinceridade, é algo útil, mas, exige respeito quanto a uniformização de conceitos e procedimentos, sob a égide da ciência.
Em tese, pois, é aceitável a normatização em nível internacional; o que se vem questionando não é o aspecto universal do informe requerido, mas, a forma como está sendo conduzida a questão.
Contabilidade e informação
Contabilidade e informação contábil não são conceitos idênticos, nem equivalentes.
A Contabilidade é um agregado de conhecimentos de natureza científica que explica a razão dos acontecimentos havidos com o patrimônio dos empreendimentos, a partir de relações lógicas; a informação contábil é apenas um relato sobre um acontecimento ou fenômeno patrimonial.
Entre o dar noticia (informação contábil) e o saber o que ela significa em suas causas, efeitos, tempos, espaços, qualitativa e quantitativamente (ciência contábil) existe substancial diferença.
Como à ciência só interessa a verdade ela se prende ao “objetivo”, desprezando o emocional ou “subjetivo” como método.
O caminho da informação é traçado através da percepção, comprovação dos eventos, registro, demonstração e fluxo, requerendo ordem lógica; por isso, para ater-se à verdade o referido curso deve fazer-se guiar por princípios científicos.
A disciplina da ciência contábil se constrói através de observações racionais, conceitos, proposições lógicas, teoremas e teorias; a tecnologia contábil deve apoiar-se nesse conjunto de razões e atribuições em sua metodologia de aplicação.
NORMAS CONTÁBEIS
Como proceder para bem informar foi objeto de cuidados desde os mais remotos tempos.
A Contabilidade por milênios limitou-se a informação, ou seja, a uma prática de orientação subjetiva, esta que também foi tônica no curso evolutivo de todas as demais ciências.
A pretensão de organizar os procedimentos começou de forma individual com as primeiras obras ensinando a registrar, mas, só alcançou seu ápice após a introdução do conhecimento contábil no campo da ciência, na primeira metade do século XIX.
Só no fim do referido século, todavia, se iniciaram as tentativas de universalização dos procedimentos, buscando normatizar.
Foi, todavia, na segunda metade do século XX que com maior empenho se realizou um intenso movimento normativo, com a intervenção de entidades de classe contábil e a influência das maiores empresas de serviços do ramo nos países democráticos, com a do Estado naqueles de regime autocrata (Alemanha, Itália, Rússia principalmente).
A imposição da aplicação das normas contábeis, todavia, através de leis que garantiram tal posicionamento ensejou uma transferência de poder estatal de controle de informação a entidades privadas.
POLÍTICA DE NORMAS E NORMAS POLÍTICAS
As normas que deveriam por efeito de racionalidade seguir os padrões científicos da Contabilidade, estes já bem amadurecidos no início do século XX, tomaram, todavia, outro direcionamento de acordo com as vocações políticas e feitios dos que passaram a dominar as entidades particulares normativas.
Um critério de conveniência, em vez de um rigorosamente racional procurou servir aos diversos interesses de grandes grupos empresariais (notadamente de especulação financeira), autoridades governamentais, especuladores nos mercados de capitais (segundo a imprensa).
Escândalos sucessivos havidos no mercado financeiro, em face da falsidade informativa foram ocorrendo, até que na década de 70 gerou no Senado dos Estados Unidos uma comissão parlamentar de inquérito que acusou de “conluio” os especuladores financeiros, as maiores empresas de auditoria (na época oito) e as entidades de classe (dominadas pelas transnacionais de auditoria).
Uma forte pressão política fez com que não se alterasse o quadro e outros escândalos foram ocorrendo (ENRON, QWEST, PARMALAT etc.).
No momento atual, segundo denuncia o prestigioso jornal El País, de Madri, de 19 de julho, ainda há mais tendência em acomodar que em reparar os defeitos, enquanto o dinheiro público é vertido para os Bancos e a impunidade impera em relação a apuração de responsáveis perante o macro desastre financeiro de trilhões de euros.
NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE
Acompanhando o curso histórico dos fatos é possível compreender como tudo foi sendo organizado para o exercício do poder que a informação oferece e que pode influir na manipulação de informes sobre as situações de empresas e instituições.
Iniciando todo um fluxo a entidade particular FASB (“Financial Accounting Standards Board”) em julho de 1973 sucedeu ao “Accounting Principles Board (APB)” nos Estados Unidos e em 1977 ensejou a criação do SIC, este destinado a “interpretar” procedimentos (época em que fervilhavam acusações sobre maquiagens de balanços apoiadas em normas).
Dois dias depois de criado o FASB nasceu “coincidentemente” o “International Accounting Standards Committee” (IASC), ente que depois de 2001 seria denominado IASB (entidade privada sediada na Inglaterra, atualmente financiada basicamente pelas transnacionais de auditoria, da qual se vem traduzindo e copiando as Normas).
Em 1969 e 1970, o “Accounting Standards Steering Committee” foi criado no reino Unido e Irlanda, substituindo a atuação do “Institute of Chartered Accountants in England and Wales” com o objetivo de produzir “normas”.
Essa série de medidas “coincidentes” içou (através de força na mídia) a expressão “Standards” e depois a de “International Accounting Standards”, que se tem difundido como Normas Internacionais de Contabilidade (NIC); para a implantação desse sistema, segundo o divulgado, foram investidos muitos milhões de dólares.
Ocorre, todavia, que na prática o regime foi incompetente para evitar as crises financeiras quando poderia ter impedido tais eventos se as normas tivessem respeitado a ciência contábil, a lei e a ética; ninguém teria perdido tanto dinheiro por que não investiria em empresas de ativos podres e resultados fictícios.
Um processo informativo contábil que não espelha a realidade objetiva patrimonial de empresas e instituições não se faz digno de confiança e passa a merecer o descrédito.
VÍCIOS E DESCRÉDITO DO PROCESSO NORMATIVO
Os vícios do processo normativo que se denomina “internacional” são muitos, mas, os principais se encontram no tangente a lesões a didatologia, a doutrina científica, a exigência legal e o valor social.
À má qualidade didática das normas denominadas internacionais associa-se a falta de respeito ao regime conceitual, à lógica (o contraditório se encontra em muitos casos), ao regime objetivo da ciência, ao direito individual e societário, com reflexo humano grave como o relativo ao macro desastre financeiro gerado pela crise atual.
Fatos como os ligados ao denominado ”Valor Justo”, imobilização do Arrendamento Mercantil, Intangíveis, Alienação de imóveis, seriam suficientes para argumentar sobre grandes vícios que promovem alterações substanciais na apuração dos lucros e das perdas.
Tão graves são as consequências que é de prever-se a continuidade de crises se não se reverter o processo monocrático de imposição de procedimentos como os referidos; essa a concepção da cúpula de política financeira da Comunidade Européia e de grandes intelectuais da Contabilidade.
Segundo noticiário Dow Jones, em julho de 2009 (edição de Revista Contábil & Empresarias Fiscolegis www.netlegis.com.br/indexRC.jsp?...=/informativoFiscolegis) os ministros da União Européia criticaram os padrões contábeis de “valor justo”, durante encontro que realizaram.
O comunicado das autoridades referidas pediu novos padrões internacionais de Contabilidade e afirmou que "Essa crise enfatizou que a determinação de valor atual de certos ativos financeiros pode subestimar os riscos em períodos positivos e exagerá-los em desacelerações"; ou seja, o que as normas fixam são critérios subjetivos, logo, não científicos.
Portanto, o descrédito atribuído às normas denominadas como “internacionais”, lançado pelos ministros da União Européia, é coerente com as críticas que intelectuais sérios da Contabilidade manifestaram ostensivamente em muitos escritos, assim como com o que em meus trabalhos e conferências venho advertindo há mais de três décadas.
*Autor: Antônio Lopes de Sá
Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor