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Reconhecimento no balanço patrimonial do fundo de comércio internamente desenvolvido

A presente reflexão visa clarear a hipótese legítima e não descartável do reconhecimento no balanço patrimonial, do fundo de comércio internamente desenvolvido, considerando a importância da transparência e compreensibilidade das informações contábeis

A presente reflexão visa clarear a hipótese legítima e não descartável do reconhecimento no balanço patrimonial, do fundo de comércio internamente desenvolvido, considerando a importância da transparência e compreensibilidade das informações contábeis[1].

O fundo de comércio internamente desenvolvido é um ativo intangível que se formou pelo desempenho proativo de uma célula social empresarial, está normalmente espargido por todo o ativo; depende do procedimento de valorimetria pericial contábil para a sua mensuração monetária, utilizando para tal o método holístico.

Existem motivos suficientes, inclusive lastreados na constituição, para que o ativo intangível aviamento, fundo de comércio-goodwill internamente desenvolvido, seja registrado na balanço patrimonial, como, por exemplo, à luz da ciência da contabilidade, bradam os princípios: da veracidade, da fidelidade, da clareza, o da epiqueia contabilística, e a doutrina que apresenta a Teoria Geral do Fundo de Comércio, e até é possível que em determinados negócios, o fundo de comércio seja o ativo de maior preço, logo, omitir tal registro aos utentes dos relatórios contábeis, é prestigiar o abominável “balanço putativo”.

Como algumas pessoas acreditam, equivocadamente, à luz da ciência, que não se deve efetuar tal reconhecimento contábil, e buscam um conforto de uma segurança jurídica para efetuar este registro de reconhecimento do fundo de comércio, para as quais, sugerimos ingressar em juízo com uma ação declaratória de direitos[2], para que o Judiciário se pronuncie sobre a validade ou não te tal registro. Lembramos por uma questão de lógica, que ágio e fundo de comércio[3] são coisas totalmente distintas, assim como, não existe dúvida de que um acervo técnico, uma marca e um ponto comercial, são elementos do aviamento, logo, vetores do fundo de comércio - goodwill. A Constituição da República Federativa do Brasil garante o direito a todos de pedir ao Judiciário, o direito à propriedade, e que ninguém é obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Uma normativa do CFC, como, por exemplo: NBC TG 04 (R4) – Ativo Intangível, é considerada infralegal, pois o ordenamento jurídico brasileiro, stricto sensu, é somente o emitido pelo Poder Legislativo.

Cabe destacar, para fins de criação de jurisprudência e a garantia de direitos, o diálogo entre a doutrina e o Judiciário contido no Acórdão 2.444/2012 – TCU – Plenário, cujo relator foi o Ministro Valmir Campelo:

É possível considerar como legítimo o aumento de capital (...) mediante a transferência de acervo técnico (...) assim, entendo que não se configura a inviabilidade jurídica da transação constatada no presente caso(...)20. Observe-se, a propósito, que a integralização de ações mediante a transferência de acervo técnico, da forma procedida pela EIT – Empresa Industrial Técnica S/A em favor da EIT – Construções S/A, encontra respaldo na seara contábil. Em artigo intitulado ‘Acervo técnico, sua valorização e reconhecimento contábil’, Wilson Alberto Zappa Hoog, após destacar que ‘os acervos técnicos representam uma configuração de bens intangíveis’ que ‘comprovam toda a experiência adquirida por uma célula social ao longo do exercício de sua atividade’, ressalta a ‘necessidade de se escriturar no balanço patrimonial, especificamente no patrimônio líquido, os valores relativos ao acervo técnico (...).

E sem embargos à responsabilidade dos contadores e dos auditores externos, o administrador de uma sociedade empresarial é o principal responsável pelo conteúdo dos balanços patrimonais, em função do seu dever de lealdade para com todos os usuários do balanço patrimonial, é este dever de lealdade também já foi apreciado pelo mesmo TCU, motivo pelo qual enfatizamos que: o administrador tem o dever pétreo de lealdade, como se vê no diálogo entre a doutrina e os julgadores do TCU, contido no Acórdão 2824/2015 - Plenário de 04-11-2015, cujo relator foi o Ministro José Mucio Monteiro, como segue:

65. A relevância desse dever também é ressaltada por Wilson Hoog: 'O 'Dever de Lealdade' tem relevo singular e é o mais importante dos deveres, porque é pressuposto aos demais (diligência, art. 153; de informar, art. 157) , muito embora devam coexistir na administração. A lealdade do administrador está vinculada ao comprometimento, porque a lealdade afina-se com a preservação da empresa, que vai além da norma societária, por constituir um pressuposto intrínseco para o exercício do cargo de administrador. A ofensa ao princípio da lealdade configura, por si próprio, enorme lesão, independentemente de qualquer repercussão patrimonial.' (HOOG, Wilson Alberto Zappa, Lei das Sociedades Anônimas, Curitiba/Juruá, 2008, p.231-232).

E esta integração entre os julgadores do TCU e a doutrina, a mesma citação voltou a ser destaque no Acórdão 3052/2016 - Plenário de 30-11-2016, cujo relator foi o Ministro Benjamin Zymler.

Precificar e reconhecer contabilmente nos balanços de determinações ou nos balanços especiais para apuração de haveres/deveres, o intangível fundo de comércio, como determina o Poder Judiciário, mantendo o registro contábil do bem intangível, fundo de comércio, somente como um ativo subjacente[4], ou seja, um ativo oculto dentro dos balanços ordinários, é um contrassenso, são dois pesos e duas medidas para o ativo, o que fere mortalmente o dever de lealdade do administrador, além de ser algo totalmente contrário ao objeto, ao objetivo e à função da ciência da contabilidade.

Quiçá somente o filosofo Platão com o Mito da Caverna, que é uma metáfora que sintetiza duas visões, distinção entre aparência e realidade, conseguiria explicar tal fenômeno, ou seja, o ensejo de que um mesmo bem, fundo de comércio, é um ativo e não é um ativo. Pois presumo, data máxima venia, que nem Sigmund Freud com o seu elevado conhecimento da psicanálise, conseguiria explicar tal hipótese comitiva, “o correto é registrar ou não registrar o fundo de comércio nos balanços”. Porquanto, parafraseando William Shakespeare, o fundo de comércio é ou não um ativo? Eis a questão, já que há mais coisas entre o ativo real e o formal, ou seja, entre a supremacia da essência sobre a forma, do que pode imaginar nossa vã filosofia contabilística. Já pedindo licença para emprestar as inspirações de Dante Alighieri que criou a magnífica obra: Divina Comédia, classifico como o inferno, o período em que não se sabe o que é o fundo de comércio; purgatório, o período em que uns defendem o seu reconhecimento e outros se opõem ao seu registros; e paraíso, o período em que todos compreendem o fenômeno do fundo de comércio, suas leis científicas, princípios, teorema, teoria e o critério científico de sua valorimetria.

E considerando que o axioma da experiência técnica[5], permite ao juiz que avalie uma prova, desde que auxiliado por um perito, art. 375 do CPC, o que remete ao célebre paradigma de que o fato ordinário se presume e o extraordinário se prova, que verte de uma máxima do direito internacional, da obra de Malatesta[6], portanto, o ordinário é o reconhecimento do fundo de comércio internamente desenvolvido, e o extraordinário, é o negativismo, em relação ao reconhecimento de ativos no balanço patrimonial.

Apartando os históricos pensadores desta reflexão, em síntese, esta ponderação cognitiva contábil, denominada de reflexão, representa um referente para uma narrativa da importância da liberdade científica de pensar e interpretar fatos, com a mente livre de dogmas e preconceitos. Já que uma pronúncia judicial, como regra geral, busca a manutenção de uma segurança jurídica, em relação ao direito de registrar o fundo de comércio, agora que estamos refletindo sobre uma possível fonte de garantia, ação de declaração de direitos, que visa apenas o reconhecimento da natureza jurídica probante de um fato patrimonial relevante.

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

Publicado em 02/01/2024.

REFERÊNCIAS

ALIGHIERI, Dante. Divina Comédia.

Conselho Federal de Contabilidade. - NBC TG 04 (R4) – Ativo Intangível. Disponível em: https://www2.cfc.org.br/sisweb/sre/detalhes_sre.aspx?Codigo=2017/NBCTG04(R4)&arquivo=NBCTG04(R4).doc&_ga=2.208046738.1042120598.1703433333-1665849989.1701091351. Acesso em 22 de dez. de 2023.

HOOG, Wilson Alberto Zappa. Distinção entre Ágio e “Goodwill”/Fundo de Comércio. Disponível em: http://zappahoog.com.br/site/index.php/distincao-entre-agio-e-goodwill-fundo-de-comercio/. Acesso em 22 de dez. de 2023.

Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.444/2012 . Relator: Ministro Valmir Campelo.

______. Acórdão 2824/2015. Plenário de 04-11-2015. Relator: Ministro José Mucio Monteiro.

______. Acórdão 3052/2016. Relator: Ministro Benjamin Zymler.


[1] TRANSPARÊNCIA E COMPREENSIBILIDADE DAS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS – princípios que contribuem para uma boa interpretação dos relatórios contábeis por parte dos utentes. A transparência está ligada à publicidade, portanto, a divulgação de informações claras e fidedignas aos usuários de forma irrestrita, e a compreensibilidade está ligada à utilidade das informações para as tomadas de decisões e análises das situações econômicas e financeiras.

[2] AÇÃO DECLARATÓRIA - a ação declaratória tem como característica especial a obtenção de uma declaração para pôr fim à eventual dúvida ou divergência sobre algum fato patrimonial, portanto, representa um pedido que uma sociedade empresarial faz para que o Judiciário declare a existência ou a não inexistência de tal ativo. A Constituição garante a todos o direito de pedir ao Judiciário, assim como, considera viável, logo, factível tal registro, que não tem proibição expressa no ordenamento jurídico nacional.

[3] Para compreender a distinção entre ágio e fundo de comércio, ver: http://zappahoog.com.br/site/index.php/distincao-entre-agio-e-goodwill-fundo-de-comercio/

[4] ATIVO SUBJACENTE – diz-se daquele bem ou daquela universalidade de direitos, que não está registrado na escrita contábil do ativo, mas está oculto ou subentendido, como exemplo, temos: os gastos com treinamento e reciclagem da equipe de trabalho; o aviamento internamente desenvolvido, que é sinônimo de fundo de comércio desenvolvido; o saber fazer que é conhecido como know-how; o desempenho da equipe diretiva; as situações de contratos comerciais; o bom nome e reputação; a situação vantajosa no mercado; bons programas de treino e formação profissional; qualidade e produtividade.

[5] EXPERIÊNCIA TÉCNICA NO ÂMBITO DA PERÍCIA – as regras de “experiência técnica” permitem que o juiz avalie uma prova, desde que auxiliado por um perito, em harmonia ao art. 375 do CPC/2015. O juiz, pode formar o seu raciocínio sobre o litígio, valendo-se de regras de experiência, ditas técnicas (art. 375 do CPC/2015). Essas regras têm o objetivo de permitir, ao perito que possui um notório saber da ciência da contabilidade, e por aferição indireta, realizar análise da relação entre um indício e um fato, e são conhecimentos provenientes da comunidade científica, como as contidas na doutrina ou firmados pela observação de atos e fatos patrimonais constantes em casos semelhantes. Portanto, prevalece a experiência técnica quando da ausência de uma contabilidade regular, ou seja, de uma organização contábil. As regras basilares da experiência são: a garantia da não surpresa em relação à aferição indireta, exigência de fundamentação especificada, uso de técnicas periciais, como o arbitramento. Um perito especializado no tema poderá usar essas regras de experiência, logo, práxis consuetudinária, em relação a um fato ou ato patrimonial na falta de contabilidade ordenada. O termo “experiência técnica” permite concluir que a intenção do legislador é a de que o juiz, em situações específicas, seja assistido por um especialista que desenvolve a ciência contábil, cuja experiência profissional tem certa publicidade no meio acadêmico e/ou profissional, em especial pela publicação de obras com valor doutrinário reconhecido pelo menos por um determinado estrato social, ou seja, parcela da população que tem interesse no assunto, contador que tem notório conhecimento da ciência e da política contábil, indivíduo que emite Notas Técnicas de Clarificação Contábil e adquiriu vasto conhecimento ou habilidade graças à experiência oriunda do estudo científico e da prática extrajudicial e forense pelo exercício do múnus público de perito ou de contador especializado em determinado ramo da ciência contábil que está ligado ao ponto controvertido de uma demanda. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2024, no prelo.

[6] MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal, traduzido por: J. Alves De Sá. 2. ed. Livraria Clássica Editora De A. M. Teixeira & C.ª (Filhos). Lisboa: Livraria Clássica Editora., 1927.

[1] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de perícia forense-arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, doutrinador, epistemólogo, com 48 livros publicados, sendo que alguns dos livros já atingiram a marca de 11 e de 16 edições.