A terceirização sempre foi causa de polêmica no direito do trabalho, especialmente em relação à licitude dessa prática. Um novo ponto para discussão foi acrescentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, ao admitir, pela primeira vez, que uma empresa condenada por terceirização considerada ilícita reabra o caso por meio de ação rescisória.
Trata-se de um novo capítulo em um longo histórico de decisões judiciais sobre o tema. Em 2017, o Tribunal Superior do Trabalho (TST)decidiu que a terceirização é lícita, desde que observadas algumas condições:
- Deve ser realizada apenas para atividades-meio, isto é, atividades secundárias que não estejam diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa. Atividades-fim, ou seja, essenciais para a atividade principal da empresa, não podem ser terceirizadas;
- A empresa terceirizada deve ter capacidade técnica e financeira para realizar os serviços contratados, bem como ser responsável pelo cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias de seus funcionários;
- A empresa contratante deve fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela empresa terceirizada, assumindo responsabilidade subsidiária em caso de inadimplência.
Essa decisão do TST trouxe segurança jurídica e definiu as condições para a terceirização ser considerada lícita. É importante ressaltar, no entanto, que a terceirização ainda pode gerar conflitos e discussões, especialmente em relação ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, o que exige que as empresas estejam atentas a suas obrigações legais.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal, por meio do RE 958.252, enfrentou novamente o tema, abordando a licitude da contratação de mão de obra terceirizada, para fins de prestação de serviços correlacionados com a atividade-fim, levando em conta o disposto na Súmula 331 do TST.
Na tese, a Suprema Corte entendeu como lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Somente os processos que estavam em curso na data de conclusão do julgamento do TST é que seriam afetados por seus efeitos jurídicos. Desta feita, estavam obstados o ajuizamento de ações rescisórias contra decisões transitadas em julgado antes da data de conclusão do julgamento pelo STF e que tinham a Súmula 331 do TST por fundamento.
Agora, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST considerou cabível uma ação rescisória com base na não aplicação do entendimento vinculante do Supremo Tribunal Federal sobre a licitude da terceirização, sob o fundamento de que o entendimento diverso, segundo o colegiado, seria impor obstáculo injustificável ao exercício do direito de ação.
A relatora do caso no TST considerou cabível a ação rescisória com base no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo o dispositivo, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando “violar manifestamente norma jurídica”. No caso, deixando de aplicar o entendimento do STF sobre a matéria anterior ao trânsito em julgado da sentença.
Com entendimento unânime sobre a questão, o colegiado determinou o retorno dos autos ao TRT para que prossiga a instrução e o julgamento da ação rescisória.
A ação rescisória é uma ação judicial que tem por finalidade desconstituir uma decisão transitada em julgado, ou seja, uma decisão judicial que não pode mais ser modificada em outras instâncias.
No novo contexto, uma ação rescisória poderia ser proposta com o objetivo de desconstituir uma decisão judicial já transitada em julgado que tenha sido baseada no entendimento anterior, ou que não estaria abarcado pela modulação proposta pelo STF.
Fica o questionamento: o Judiciário será inundado de ações rescisórias sob o prisma dessas novas intepretações do texto de Lei? Será que a recente decisão do TST implica insegurança jurídica?
Certo é que, ainda que o precedente tenha sido aberto, e se mostrar de grande valia para o mercado, devemos estar atentos, pois cada caso é um caso, e, claro, dependerá de como a demanda foi conduzida na fase de instrução probatória. Ademais, aspectos factuais que já nasceram ilícitos em demandas anteriores não devem receber o verniz de licitude.
De qualquer forma, é importante destacar que a terceirização, mesmo reconhecida como lícita pelos Tribunais Superiores, e com (possíveis) novas formas de revisão de decisões, ainda exige que as empresas cumpram suas obrigações legais e trabalhistas. Em suma, as empresas ainda continuam com o dever de estar atentas a essas obrigações e buscar se adequar à legislação para evitar conflitos judiciais.
*Felipo Corvalan é advogado no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica