Desde que assumi meu primeiro cargo gerencial, na comunicação corporativa do Hotel Sheraton no Rio de Janeiro, um dos meus grandes desafios para convencer meu chefe a autorizar certos investimentos era provar que eles dariam retorno.
Claro que existiam alguns indicadores bem óbvios, como a quantidade de gente que compareceu ao nosso evento ou a geração de mídia espontânea, que, para o meu desespero, era medida fazendo uma correspondência do espaço/tamanho da notícia com o preço da tabela publicitária do veículo, o que desprezava totalmente o valor qualitativo de ser uma notícia não-paga e publicada em espaços que nem estão à venda, como colunas especializadas ou capas.
No marketing institucional, era aquele tal de "crer para ver", como se plantássemos uma semente para germinar no longo prazo, tijolinhos construindo um estoque de boa vontade para a marca. A gente fazia clipping, tentava demonstrar que a comunicação e o branding ajudavam a gerar vendas, e que uma boa reputação ajudava a empresa a conquistar a lealdade dos funcionários e clientes, além de minimizar riscos e proteger seu valor financeiro. Tudo muito empírico, na base do "feeling".
O universo digital melhorou muito a medição do ROI, nos permitindo rastrear comentários, fotos espontâneas publicadas pelos próprios usuários, monitorar o "sentimento" das pessoas nas mídias sociais usando text analytics e, mais modernamente, inserindo bots-sentinela programados para capturar crises em formação.
Agora a surpresa: em uma pesquisa feita pela Proof Analytics em 2018 com 400 executivos, 399 reconheceram o poder da comunicação e do marketing para criar valor para o negócio, mas 96% disseram que seus times "não queriam ou não sabiam como" provar o ROI do seu trabalho. Epa! E estamos falando de altos executivos em 160 das empresas da Fortune 1000. 94% não sabiam como medir a contribuição do marketing de forma confiável e 97% não tinham ideia do quanto deveriam investir em comunicação. A totalidade dos respondentes se sentia frustrada com a falta de capacidade dessas áreas de adequadamente provar sua performance.
Segundo o Gartner Group, o orçamento alocado para os departamentos de marketing vem caindo a cada ano, idem o investimento em agências de propaganda e RP. E o turnover vem aumentando expressivamente, segundo a consultoria de recrutamento Russel Reynolds.
Quando um CMO sai, a empresa geralmente vai buscar um substituto fora dela, o que sinaliza uma insatisfação latente com a performance da área. Esse ciclo de vida encurtado do cargo gera um foco cada vez maior em coisas chamativas que tragam resultados de curto prazo, ao invés de investir em reputação e relacionamentos de longo prazo com os stakeholders. Nada bom... se considerarmos que esse "seguro da marca" foi sempre o ouro do trabalho de RP e branding.
E não acaba por aí: as agências também estão sofrendo com negociações de preço que esmagam suas margens, e buscam desesperadamente provar seu valor, usando focus groups, neuromarketing, monitoramento digital em tempo real e, em breve, até os batimentos cardíacos do espectador.
Prestadores de serviços ou criadores de valor?
A pesquisa da Proof ainda mostrou que 95% dos executivos acham que os profissionais de marketing e comunicação não têm o entendimento adequado do que seja criar valor de fato para o negócio, nem a amplitude dos problemas que a empresa precisa resolver.
Isso me soa como um estigma que nossa área sempre teve, de sermos os "festeiros" que gastam o dinheiro que as outras áreas ganham. Enquanto os CEOs priorizam receita, lucro e valor de mercado, os CMOs priorizam sobretudo o awareness, depois share de mercado e satisfação do cliente. Com isso, a maioria de suas ações (campanhas digitais, lançamentos de produto e imagem corporativa) focam na visibilidade e conhecimento da marca.
E os RPs travestem esse awareness com outros nomes: alcance, cobertura, impressões e OTS (oportunidades de ver) - ou seja, volume. Essa desconexão com objetivos estratégicos de longo prazo e construção de valor para os acionistas está desafiando o marketing e a comunicação a responder perguntas bem objetivas, como:
- Quanto valor cada investimento está criando para a organização, em KPIs estratégicos bem específicos como Admiração, Confiança ou Advocacy
- O quanto cada $$ gasto se correlaciona com KPIs de reputação e marca, em pontos objetivamente mensuráveis (aumento de quanto, se é que houve), tendo uma visão da evolução em um dado período? E com vendas, retenção e recomendação?
- Com tantas fake news e comentários manipulados atualmente, como confiar que o monitoramento das mídias sociais está refletindo a real percepção/opinião dos stakeholders em relação à marca?
- Que estratégias deram mais certo? Houve variação por gênero, idade, geografia ou tipo de stakeholder? Qual?
A síndrome do FOFO
O FOMO (Fear of Missing Out), aquele estado permanente de dissonância cognitiva do indivíduo em tempos líquidos, onde ele está sempre com medo de pagar de desinformado e não ter feito a melhor escolha. É uma síndrome da pós-modernidade digital. Pois os profissionais de marketing/comunicação estão sofrendo agora de FOFO (Fear of Finding Out) - expressão criada por Paul Holmes.
Muitos estudos mostram que essas áreas contribuem imensamente para gerar confiança, acelerar/expandir vendas e melhorar a performance financeira da empresa (receita, fluxo de caixa e aumentar margens). Não se questiona que o trabalho delas gera valor, mas falta clareza sobre o quanto é esse valor e as correlações entre cada investimento e o resultado em várias frentes.
Na relação entre agências e clientes, a crise é ainda mais evidente, com uma troca de prestador acontecendo em média a cada 2 anos, segundo a Proof. Elas até possuem times de analytics, mas olham isso como mais um serviço a ser vendido, e não como uma alavanca para provar o valor do seu trabalho e poder cobrar premium por ele.
Recentemente, o GroupCaliber foi procurado pela agência do maior anunciante do mundo, preocupada exatamente em comprovar o ROI das suas entregas ao cliente e se sobressair nas concorrências internas aqui no Brasil. A Allison+Partners, consultoria de RP de São Francisco/CA, está implementando um software de analytics da Proof em sua operação global. Mark Stouse vê os analytics como a possibilidade de revolucionar o modelo das agências e virar o jogo a favor delas. Foi-se o tempo de cobrar por tempo ou comissão de mídia e produção. Agências e consultorias deveriam começar a cobrar baseadas no valor incremental que criam para os clientes.
Os profissionais de Comunicação tiveram medo que o mundo digital, com inbound marketing e milhares de blogueiros independentes e influencers, dissolvesse as fronteiras com as agências de propaganda e as editorias jornalísticas, e permitisse que os clientes publicassem seus conteúdos sozinhos e diretamente. Eles tiveram que se reinventar como estrategistas, criadores de projetos e de branded content.
Agora está na hora de uma nova reinvenção, à medida que são cobrados por CEOs e CFOs a fazer uma gestão mais data-driven, com KPIs robustos e confiáveis. A nova fronteira que se dissolve é a do business intelligence e data-science, que se tornam cada vez mais transversais nas organizações.
Pois é, a era do crer para ver acabou.
Patricia Galante de Sá
Especialista em reputação corporativa, branding e sustentabilidade, tendo atuado por mais de 25 anos junto a marcas como Natura, Disney, Sheraton, Louis Vuitton, LATAM e Monsanto. Atualmente associada da consultoria RegeNarrativa e da startup de analytics GroupCaliber, é professora de Branding, Marketing, Sustentabilidade, Ética, Gestão de Serviços e Comportamento do Consumidor na IBE Conveniada FGV, e autora de livros nas áreas de comunicação corporativa, sustentabilidade e inovação. É Relações Públicas, Mestre em Administração pela FGV e formada em Economia para Transição pelo Schumacher College/UK.