Para você que esta lendo e trabalha com ICMS nos seu dia a dia, já deve ter uma noção do que eu irei comentar. Para você que não conhece, irei explicar mais adiante como funciona a substituição tributária do ICMS, o seu cálculo, o que é o MVA e o impacto que essa modalidade de arrecadação tem para nós consumidores finais. O tema, a principio, para quem não conhece ou não trabalha com impostos pode parecer não tão relevante, mas o assunto esta inserido no seu cotidiano mesmo que não perceba. Se você é consumidor assim como eu de bebidas, refrigerantes, produtos alimentícios de forma em geral, produtos eletrônicos, eletrodomésticos dentre muitos outros produtos, talvez se interesse em entender como o tema que me propus a escrever tem impacto direto no seu bolso.
O ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação), foi instituído pela constituição federal de 1988 conforme dispõe no seu artigo 155, inciso II. De competência estadual, sua regulamentação esta prevista na Lei complementar 87/96 (Lei Kandir) e os Estados e o Distrito Federal tem como pressuposto dar regulamentação ao imposto com base na Lei referida. Cada Estado tem seu regulamento próprio, onde estão definidas as suas regras. Apesar de o Brasil ter 26 estados e um distrito federal, os regulamentos de ICMS de cada Estado, em sua essência, são muito parecidos, pois como informei, eles tem que seguir as diretrizes da Lei 87/96, uma lei Federal.
O ICMS é um imposto indireto cobrado por dentro do preço. Ou seja, seja se você compra uma mercadoria por R$ 100,00 com 20% ICMS,você não pagará R$ 120,00. Pagará os R$ de 100,00 e na nota fiscal, estará destacado R$ 20,00 de ICMS. O custo da mercadoria na realidade era de R$ 80,00, mas foi embutido no preço 20% a mais de imposto, e no final, você acaba pagando os cem reais. O ICMS também é regido pelo principio da não cumulatividade, ou seja, o imposto cobrado nas operações anteriores é abatido das operações subsequentes. A indústria vende para o atacadista que recebe a mercadoria e recupera o imposto pago pela indústria em sua venda. O atacadista vende para o varejista que recupera o imposto pago pelo atacadista em sua venda. Por fim, o varejista vende para mim e para você, consumidor final, que não temos condições de recuperar o ICMS. Pagamos o preço final do produto com o valor do imposto cobrado em toda a cadeia, desde a indústria até o varejista, e arcamos com o seu custo.
A CF 88 além de instituir o ICMS, consagrou na alínea b, inciso XII, parágrafo 2° do art.155 o modelo de substituição tributaria do ICMSconforme transcrito abaixo:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte.
XII – cabe à lei complementar:
- b) dispor sobre substituição tributária;
Seguindo a constituição, a lei 87/96 regulamentou o modelo de substituição tributária em seus artigos 5° e 6° conforme segue:
Art. 5º Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo.
Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.
- 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.
Ou seja, o legislador definiu que o estado tem competência constitucional para atribuir a terceiros, mesmo que estes não estejam ligados diretamente com o fato gerador do imposto, a responsabilidade pelo pagamento do imposto. O fator gerador do ICMS esta ligado essencialmente à saída da mercadoria do estabelecimento. Conforme disposto na legislação, a substituição tributária pode ser antecedente, concomitante e subsequente. Sobre este ultimo é que eu quero me desdobrar em cima dos meus comentários.
A substituição tributaria subsequente é a mais utilizada nos dias atuais. Ela funciona basicamente da seguinte forma: O estado atribui ao industrial ou fabricante do produto (cadeia inicial) a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS do seu revendedor. O industrial paga, em sua venda, o ICMS próprio de sua operação e ainda é obrigado a pagar o ICMS do seu revendedor. O ICMS ST é recolhido ao fisco pela indústria mas é repassado na nota pelo vendedor e cobrado do seu cliente.
Mas como calcular o imposto de uma venda que nem ocorreu? Pois bem, ele é calculado sobre um fato gerador presumido. Na pratica quem for fazer o calculo, deverá simular ou presumir como queira, uma revenda do seu produto pelo seu cliente. Mas para presumir uma venda precisamos do valor dos produtos, as despesas com a venda (como frete, por exemplo), a alíquota do imposto, dentre outras coisas. Mas um item mais importante que precisaremos saber é a margem de lucro que terá essa venda presumida, pois ninguém vende para ter prejuízo. E sobre esse ponto que se tem inúmeras e vagas definições na lei que leva o estado a ter certa arbitrariedade quanto da sua formação.
O MVA (MARGEM DE VALOR AGRAGADO) é o percentual que o estado define o quanto o revendedor teria de lucro sobre aquela revenda. Veja como ele é definido na legislação do RJ:
Decreto 27.427/2000
Livro II
Capitulo II – Da Margem de Valor agregado
Art. 7: A margem de valor agregado será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, observado ainda os seguintes parâmetros:
I – levantamento de preços efetuado por órgão oficial de pesquisa ou pela Secretaria de Estado de Fazenda;
II – o levantamento deverá abranger um conjunto de municípios que represente pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor adicionado fiscal previsto na legislação que define o índice de participação dos municípios na arrecadação do imposto;
III – as informações resultantes da pesquisa deverão conter os dados cadastrais dos estabelecimentos pesquisados, as respectivas datas das coletas de preços e demais elementos suficientes para demonstrar a veracidade dos valores obtidos.
Pela leitura observa-se que o critério para a definição do MVA não é muito estruturado, e também não muito fácil de ser obtido, pois, os preços no mercado variam constantemente. Levantamento de preços requer critérios muito bem definidos e apurados e mesmo assim se utilizando de critérios uniformes, é difícil chegar a um preço ideal. Teremos assim apenas uma pesquisa de acordo com uma amostragem, que também pode ser adquirida de forma aleatória. Esse é um ponto fundamental que diante das circunstâncias expostas pode levar o estado e empresas a se beneficiarem indevidamente.
Vou citar um exemplo matemático bem simples (Desconsiderando outros itens que compõem a BC do ICMS ST) de como funcionaria o calculo da substituição tributaria:
Venda Industrial: 100 UN x R$ 1,00: R$100,00
ICMS 20%%: R$ 20,00
Total dos produtos: R$ 100,00
Calculo ICMS ST: MVA: 50%
Total dos produtos mais MVA: R$ 100 + R$ 50,00 = R$ 150,00
ICMS venda Presumida: R$ 150,00 X 20% = R$ 30,00
ICMS que seria pago pelo atacadista: 30 – 20 = R$ 10,00
Total da Nota Fiscal do Industrial: 100+10= R$ 110,00
Ou seja, o total da NF do industrial com ST totalizaria R$ 110,00. Na revenda pelo atacadista e as próximas vendas subsequentes deverá sair, em tese e considerando todas as variáveis para que isso aconteça, sem imposto, pois já fora recolhido por toda cadeia. A questão emblemática neste caso é que para que a tributação ao consumidor final esteja correta é necessário que o revendedor venda a mercadoria por uma margem de 50%. É ai que entra a arbitrariedade. Não existe nada que obrigue o revendedor a vender desta forma e muito menos uma fiscalização efetiva para que isso ocorra. Se o revendedor utilizar a margem de 50%, ótimo, esta correto. Se utilizar uma margem maior, o imposto que fora recolhido pelo industrial foi menor do que deveria. Se utilizar uma margem menor, o imposto pago pelo industrial fora maior do que deveria. Vou citar mais um exemplo, agora considerando que o revendedor utilize uma margem maior do que a definida pelo estado:
Revenda atacadista (Já inclusa a margem de 50%)
100 UN x R$ 1,60: R$160,00
Revenda atacadista (Considerando MVA indevido de 100%)
100 UN x R$ 2,10: R$ 210,00
Observem que neste simples caso houve um superfaturamento de R$ 50,00. Considerando a margem indevida deixou de ser recolhido aos cofres públicos um valor de R$ 10,00. E lógico que no final você e eu vamos pagar mais caro pelo produto.
É diante do exposto que, em minha modesta opinião, o modelo de substituição tributaria do ICMS é um tanto quanto “inapropriada”, apesar de ter base constitucional. Nesse modelo não se consegue ter a real carga tributaria quando o produto chega ao consumidor final. Na prática ela só facilita o estado. É mais fácil fiscalizar o industrial, que recolhe todo imposto da cadeia, do que ter que fiscalizar o “industrial”, o “atacadista” e o “varejista”. E nessas circunstancias, diante dessa indefinição ou falta de uma regulamentação com contornos legais estritamente definidos, é que, se abre “brechas” na legislação e oportunidades para que corruptos se aproveitem disso.
Recentemente foi publicada uma matéria pelo jornal globo (http://extra.globo.com/noticias/rio/visitas-picciani-unem-fiscais-empresario-envolvido-em-fraude-19008923.html) onde informa que houve supostos encontros de fiscais com políticos no Rio de Janeiro. De várias supostas irregularidades citadas, segundo a matéria, o jornal cita ainda que o estado em novembro de 2015 extinguiu o chamado “gatilho”. O “gatilho” de preços ou “gatilho” inflacionário é um método onde os preços são corrigidos de acordo com a inflação ou quando a mesma chega a determinado nível. Com a extinção , segundo a matéria, o estado perdeu o poder de estimar os preços para efeito de Substituição tributaria e as próprias empresas (empresas de grande porte, diga-se de passagem) passaram a apresentar uma “pauta” com os valores de referencia para efeito de calculo do ICMS ST.
Em nota, a secretaria de fazendo do estado do Rio de Janeiro informou que, (http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigationrenderer.jspx?_afrLoop=176025618207000&galeria=&datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC304347&_afrWindowMode=0&_adf.ctrl-state=105crk6c1u_4) abriu um processo para apurar o ocorrido e que os fiscais envolvidos foram afastados provisoriamente e caso fique provado o contrario, voltarão aos seus cargos…
Enquanto isso, nós meros contribuintes, vamos pagando os “MVAs” e os “preços” dessa brincadeira toda!
Um abraço a todos
Jefferson Souza
Jefferson Souza Contador(a)
Jefferson Souza - Bacharel em Ciências Contábeis com Registro no CFC - A mais de 6 anos atuando com Impostos Indiretos - Autor da pagina www.tributoemfocobrasil.wordpress.com - Contato: Jeffersonsouza00@yahoo.com.br