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Governança, não por esporte

No futebol mundial, 40% das transações ainda são invisíveis

Embora a bola da vez nos escândalos envolvendo o esporte nacional seja a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), cujo presidente renunciou recentemente em meio a contratos duvidosos e comissões mais ainda, nosso futebol continua imbatível em trocar as páginas esportivas pelas policiais.

 

Afinal, de seus quadros já emergiram figuras como o atual senador Zezé Perrela, ex-presidente do Cruzeiro,  que  além de acusado de quase quebrar a agremiação mineira, tem em seu currículo casos rumorosos como o do helicóptero de sua propriedade apreendido no Espírito Santo, recheado de pasta-base de cocaína.

 

O fato é que mesmo seguindo as normas contábeis vigentes dentro e fora do País, e regras locais altamente específicas como o Estatuto do Torcedor, muitos dos nossos clubes se comparam a potências futebolísticas mundiais, porém, até nos maus exemplos.

 

Mesmo organizações admiradas por seu modelo de gestão financeira, em especial na Europa, têm protagonizado transações no mínimo suspeitas, marcadas por negociações e cifras fabulosas, como as da polêmica aquisição de clubes ingleses por bilionários russos, apenas para citar um episódio notório.

 

Ilustra muito bem essa ordem de coisas o “Money Laudering Through the Football Sector”, estudo que pode ser traduzido como “Lavagem de dinheiro através do setor futebolístico”,  publicado em 2009 pela Financial Action Task Force (FAFT). A pesquisa considera o esporte bretão inigualável em favorecer descaminhos, face à sua popularidade e às altas somas que movimenta.

 

A própria Federação Internacional de Futebol já admitiu que pelo menos US$ 2 bilhões (R$ 4,8 bilhões) que passam por ano pelos clubes jamais aparecem nas suas contas oficiais, muito menos nos contratos dos jogadores.  E vai além a poderosíssima e exigente entidade, ao reconhecer que sequer as autoridades tributárias conseguem ter acesso à totalidade das cifras movimentadas, já que a cada milhão de dólares estima que US$ 400 mil circulem de forma totalmente subterrânea.

 

Por mais que contadores e auditores tenham o dever ético e legal de informar operações consideradas suspeitas, nem sempre conseguem fazê-lo numa área com aspectos éticos e comportamentais tão atípicos,  para dizer o mínimo.

 

Um manual editado pela Fifa, contendo procedimentos padronizados e obrigatórios, bem como diretrizes claras para coibir irregularidades, certamente seria um bom começo, mas desde que complementado pela gestão profissional e remunerada nos clubes, como há muito tempo ocorre no mundo corporativo.

 

Ninguém pode admitir, em sã consciência, que a complexidade assumida pelo negócio futebol continue convivendo com dirigentes se comportando como simples torcedores, agindo de forma passional e incoerente, não raro dando origem a gastos desenfreados, dívidas generosamente perdoadas e até a criação de loterias salvadoras.

 

Os cartolas brasileiros têm tudo para assumir o posto de pessoas politicamente expostas (PPE), de acordo com as determinações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).  Isso os obrigaria a tornar públicas suas declarações de imposto de renda, dentre outras medidas de caráter preventivo já adotadas com bons resultados em outros segmentos da economia.

 

No ano da segunda Copa do Mundo dentro de casa, temos a grande chance de incrementar a discussão sobre tais possibilidades, buscando finalmente dotar este milionário mercado de uma clareza compatível com a já cultuada em vários setores. Os clubes, os atletas e os torcedores – pelo menos aqueles que fazem jus a esse nome - só teriam a comemorar com isso.

Apesar de complexas e difíceis de implementar, em meio a tantos interesses conflitantes, mudanças assim fariam bem à própria sociedade, tornando a moralização do futebol um exemplo altamente positivo a ser seguido, uma governança digna do ‘Padrão Fifa’ levado tão a sério nos mundiais no tocante a infraestrutura e organização.

No caso específico do nosso país, seria uma excelente oportunidade até mesmo para disseminar a cultura que os fornecedores de empresas e órgãos governamentais agora terão de observar com atenção redobrada, em virtude da Lei Anticorrupção, em conjunto com a legislação contra a lavagem de dinheiro e outras já em vigor.

Tudo isso converge para um único caminho de transparência e retidão que se convencionou a chamar mundialmente de compliance, mas que ainda passa longe do esporte mais popular do planeta. Resta saber até quando.

() Marco Antonio Papini é sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America.

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