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Desoneração da Folha ou canto da sereia?

Sem margem a escolhas, por se aplicar de forma compulsória a determinados setores, a chamada desoneração da folha merece uma reflexão detida antes que se possa festejar ou criticar sumariamente a medida.

Sem margem a escolhas, por se aplicar de forma compulsória a determinados setores, a chamada desoneração da folha merece uma reflexão detida antes que se possa festejar ou criticar sumariamente a medida.

Mais uma etapa do Brasil Maior, programa do governo federal para revigorar a economia, ela apresenta vários pontos em aberto, deixando claro que as empresas terão de aguçar seu apetite ao risco, dependendo de como venham a encarar este novo cenário.

Embora a principal mudança trazida seja a migração da base de cálculo da previdência social da folha de pagamento para a receita bruta, sobram dúvidas instigantes a esclarecer. As receitas financeiras e os ganhos de capital entrariam neste cálculo? Independentemente disto, não seria mais justo considerar a receita liquida, ou seja, descontando os impostos e as contribuições pagas, evitando assim a sempre nociva bitributação?

Outra questão polêmica envolve a empresa sem empregados, agora obrigada a recolher a cota patronal do INSS com base naquilo que faturar mês a mês, dependendo de sua CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas. Pelo menos nestes casos, o que se tem de imediato é a oneração, ao contrário daquilo que seria plausível prever.

Mesmo na hipótese de haver benefício de fato, serão necessários ajustes em processos internos. Vejamos o caso da indústria com receita bruta composta por diversos NCM (Nomenclatura Comum no Mercosul), estando apenas parte desses produtos enquadrada na nova sistemática. Ela vai conviver com dois métodos paralelos de apuração, tudo isso em sintonia com o RH, uma prática cotidiana nitidamente complexa e burocrática.

Inúmeros precedentes das relações fisco-contribuinte em nosso país deixam igualmente claro que será necessária uma dose extra de precaução diante das supostas vantagens a serem proporcionadas pelo novo incentivo, uma análise ampla onde o parecer técnico do contador, mais uma vez, torna-se imprescindível.

Isto não impede, porém, que até mesmo setores como os de Tecnologia da Informação e callcenter, considerados beneficiários potenciais da dita desoneração, estejam imunes a situações no mínimo inusitadas.

Imagine a empresa de uma dessas áreas que tenha visto seu faturamento crescer de forma exponencial, porém com uma estrutura proporcionalmente menor ao longo do tempo.  Com seus custos previdenciários deslocados para o faturamento, mais cedo ou mais tarde ela terá uma carga tributária maior, compondo assim outro claro desvio de rota entre a intenção presumível do legislador e o efeito prático de sua obra.

Em tal circunstância, possivelmente teremos uma primazia de fazer inveja à jabuticaba: a penalização da eficiência daqueles que, a duras penas, aprenderam a fazer mais com menos.

 

Márcia Ruiz Alcazar é contadora, sócia-diretora das empresas SETECO - Serviços Técnicos Contábeis e Asplan Sistemas,  e  vice-presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-SP)

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