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Encerramento de recuperação judicial

De fato, naturalmente, os interesses de credores e devedor são opostos, especialmente quando inseridos em uma recuperação.

Em menos de sete anos de vigência, a Lei nº 11.101, de 2005, já deflagrou diversas divergências de ordem prática, tanto no campo da doutrina como na jurisprudência. Dentre elas, está a questão envolvendo a possibilidade de encerramento da recuperação judicial antes da consolidação do quadro geral de credores.

De fato, naturalmente, os interesses de credores e devedor são opostos, especialmente quando inseridos em uma recuperação. Diante desse conflito, inúmeras recuperações vêm deixando de ser encerradas, inobstante cumpridas todas as obrigações previstas no plano no prazo de dois anos após a concessão. E isso se dá em razão do entendimento, adotado pela maioria dos operadores de direito envolvidos nesses casos, de que o encerramento do processo quando ainda não consolidado o quadro colocaria em risco o direito dos credores.

Entretanto, é preciso ressaltar que essa posição não possui qualquer fundamentação jurídica. A empresa com a insígnia "em recuperação judicial" encontra dificuldades para obter créditos junto a instituições financeiras, investimentos de interessados em aportar capital novo e alavancar a atividade, assim como negociar com fornecedores. Além disso, enquanto em recuperação, não é possível alienar ou onerar bens ou direitos do ativo permanente livremente. Tais limitações representam verdadeiro engessamento da dinâmica empresarial.

Em relação à consolidação do quadro, esta passa pelo procedimento de verificação e habilitação dos créditos, contemplando uma fase administrativa e outra contenciosa. A primeira, não representa qualquer problema ao encerramento, vez que termina 60 dias após a publicação do edital deferindo o processamento da recuperação.

Já a fase contenciosa, apesar da denominação, não implica necessariamente na instauração de um litígio. Todavia, as impugnações, habilitações de crédito retardatárias e ações rescisórias observam o contraditório e a ampla defesa, assim como é possível a interposição de qualquer dos recursos cabíveis previstos no Código de Processo Civil (CPC). Assim, nos casos em que há o litígio e a questão acaba sendo levada até os tribunais superiores, fatalmente, a solução definitiva leva mais de dois anos para ser alcançada em razão da reconhecida demanda de trabalho nos tribunais.

O encerramento não está vinculado à consolidação do rol de credores

Consequentemente, sabendo que o quadro também é elaborado com base nos resultados desses instrumentos, sua consolidação prolonga-se por mais de dois anos. Logo, adotar o referido posicionamento leva à continuação do processo e, portanto, à permanência dos efeitos prejudiciais ao devedor já mencionados.

Nessa linha, importante frisar que as impugnações, habilitações retardatárias e ações rescisórias não são meros incidentes processuais. Elas são ações que veiculam direitos materiais representados pela inclusão, exclusão ou modificação de um crédito no quadro. Isso significa que não são questões prejudiciais ao encerramento do processo. A incidentalidade desses instrumentos provém de sua tramitação em apenso ao processo de recuperação.

Outrossim, a própria lei criou mecanismos para assegurar o recebimento dos créditos durante a recuperação e após seu encerramento. No artigo 16, está prevista a reserva de valores que, uma vez realizada no curso do processo, o direito de receber do credor restará assegurado até o julgamento da respectiva habilitação de crédito retardatária, por exemplo.

Além disso, o plano de recuperação aprovado constitui título executivo judicial. Isso prova que o recebimento do crédito está vinculado à execução do plano, dotado de plena eficácia executiva. Por isso, após encerrada a recuperação, caso o devedor descumpra qualquer obrigação do plano, o interessado poderá requerer a execução específica ou a falência.

Vale ressaltar que a lei apenas elencou como requisito para o encerramento da recuperação o cumprimento das obrigações previstas no plano com vencimento dois anos após a concessão, conforme diz o artigo 63. Não existe qualquer disposição vinculando o encerramento à consolidação do quadro.

Portanto, não há óbice de ordem legal ou processual para o encerramento da recuperação ainda que as impugnações, habilitações retardatárias e ações rescisórias não estejam definitivamente julgadas, eis que o encerramento do processo não está vinculado à consolidação do rol de credores.

Nesses casos, a solução a adotar-se é homologar o quadro no estado em que se encontrar no momento em que verificado o cumprimento das obrigações previstas no plano com vencimento dois anos após a concessão e encerrar a recuperação. A partir daí, o quadro deverá ser retificado, quantas vezes forem necessárias, na medida em que as impugnações, habilitações retardatárias e ações rescisórias forem sendo julgadas, possibilitando, assim, a apuração completa e definitiva do passivo da empresa em recuperação, eliminação das limitações à atividade empresarial, assim como a tutela do direito dos credores.

 

Lucas Latini Cova é advogado do escritório Mac Dowell Leite de Castro Advogados

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