A qualidade da governança corporativa revelou-se, nos últimos 20 anos, de forma crescente, como aspecto fundamental para a melhoria e transferência da gestão empresarial e a valorização de mercado das empresas, sejam as de capital aberto sejam as de capital fechado, cujo valor intrínseco é relevante para fins de avaliação - creditícias, por exemplo. Há, nesse tema, aspectos materiais que dizem respeito ao cumprimento de parâmetros legais ou extralegais (regulatórios) mais relacionados à efetividade da qualidade da governança corporativa (qualidade da diretoria e conselhos).
No contexto em que a eficiência da governança corporativa se torna, a cada dia, mais relevante no desenvolvimento capitalista e da função social da empresa, a introdução ao padrão internacional de contabilidade (IFRS) - como padrão contábil - foi fundamental, porque se ultrapassam as fronteiras do conhecimento meramente contábil dos especialistas (internos e externos) para um reflexo direto da qualidade da gestão empresarial. Com efeito, o IFRS não é per se apenas uma forma de divulgação legal dos registros das operações de uma empresa; serve, da mesma forma, à prestação de contas marcadas pela concretização da "forma de gerir" dos administradores das empresas e seus acionistas controladores frente aos seus stakeholders (funcionários, órgãos governamentais, investidores de mercado, analistas etc.). Foi o IFRS que superou a antiga e evidente distância entre aquilo que era "o resultado contábil" frente à qualidade da gestão: a partir dele, os "stakeholders" estão munidos de informações que lhes permitem a análise e a cobrança da efetivação das políticas e das melhores práticas empresarias.
Por ser o IFRS um sistema aberto, cujas premissas são construídas com o objetivo de fazer refletir, nas demonstrações financeiras, o valor "real" dos ativos, passivos e resultados, a necessidade de transparência se tornou ainda mais exigente. Assim sendo, as notas explicativas passaram a ter um papel muito mais relevante: além de relatar os aspectos técnicos referentes às contas contábeis, elas passaram a refletir a sensibilidade criteriosa da visão gerencial dos administradores. Fechou, por assim dizer, o gap entre aquilo que se chamava de "valor contábil" e "valor econômico", pois expressa os "julgamentos subjetivos" dos gestores relativamente à criação (e destruição) de valor da empresa. Está-se a tratar de um tema essencialmente importante para a formação dos preços dos ativos no mercado a partir desses "julgamentos subjetivos".
Se o IFRS é reconhecido por essas positivas características, não se pode deixar de reconhecer, da mesma forma, que os riscos desse modelo também sofreram alterações importantíssimas. Vejamos.
O IFRS superou a antiga distância entre o resultado contábil e a qualidade da gestão
A subjetividade da análise econômica dos gestores, transferida às demonstrações financeiras, pode gerar diversas distorções. Não é difícil imaginar que a aplicação de uma determinada taxa de desconto composta por parâmetros de risco e retorno - no cálculo econômico de ativos e passivos seja fundamental para a determinação de seus valores. Eventuais incompatibilidades entre tais riscos e retornos estimados podem sub ou sobreavaliar os ativos e passivos de uma empresa. De outro lado, a somatória de critérios subjetivos aplicados aos valores das operações das empresas pode gerar lucros (e dividendos) fictícios, inclusive nos termos do artigo 1009 do Código Civil que impõe responsabilização solidária aos administradores, bem como nos termos do Capítulo XV da Lei nº 6.404, de 1976 que trata do exercício social e das demonstrações financeiras.
Há, ainda, a questão da comparabilidade, aspecto fundamental para a mensuração do valor agregado entre os exercícios sociais. Nesse tema, o IFRS é criterioso, mas a sua aplicação é altamente dependente de que os gestores sejam igualmente criteriosos quando construírem as suas premissas de curto e longo prazos. Ademais, formas de remuneração de administradores que dependam da avaliação de resultados impõem riscos de conflitos de interesse entre acionistas, administradores e outros" stakeholders", que requerem adequada supervisão, sob pena de má-gestão de resultados e, até mesmo, fraudes. Para a adequada condução empresarial e administração dos riscos, portanto, a solução é conhecida: muita transparência, maior eficiência dos trabalhos de auditoria e sistemas internos que possibilitem que os órgãos de supervisão (conselhos) sejam devidamente informados, por fontes confiáveis e independentes (no que tange à informação).
Francisco Petros é economista, pós-graduado em finanças pelo IBMEC-SP e presidente do Conselho de Supervisão dos Analistas do Mercado de Capitais da APIMEC-SP