Introdução
A carga tributária no Brasil tem crescido constantemente nos últimos anos. Porém, há um custo que tem passado despercebido e sobre o qual a maioria das pessoas não possui informações. Tratam-se dos custos de conformidade à tributação - compliance costs taxation, em inglês - que podem ser traduzidos no custo de pagar tributos.
O Brasil é um dos países que possui uma das maiores cargas tributárias do planeta, correspondendo a 37% do Produto Interno Bruto - PIB, e um sistema tributário altamente complexo, com mais de 80 tributos, 17 mil normas tributárias e um enorme número de obrigações acessórias.
Neste cenário, constata-se que o sistema tributário gera um elevado custo para os contribuintes, que transcende o valor dos tributos, isto porque abrange ainda os custos de conformidade à tributação, gerados pelas obrigações acessórias.
Registre-se que, os custos de conformidade não abarcam apenas o valor do tributo, como também os recursos necessários para cumprir a complexa legislação tributária, sendo emitindo notas fiscais, escriturando livros ou mantendo documentos em perfeita ordem, para exibição ao Fisco quando solicitado.
Entretanto, as práticas contábeis utilizadas não elucidam com precisão o encargo desse sistema para os contribuintes. A consequência disso é que, os supramencionados custos não são divulgados com clareza nos demonstrativos contábeis.
Neste seguimento, se faz relevante um estudo acerca do gasto dos contribuintes, para manter a estrutura necessária para cumprir as determinações da lei tributária federal, estadual, municipal e previdenciária, ou seja, o custo de cumprir as determinações legais.
1 - Custos de conformidade - Cenário global
Em 1998 houve um congresso da Internacional Fiscal Association no Rio de Janeiro, onde os emissários de diversos países deveriam apresentar informações, relativas aos custos operacionais tributários de suas respectivas nações.
Os países participantes foram: Bélgica, Holanda, Canadá, Argentina, Alemanha, Suécia, Estados Unidos, Suíça e Reino Unido. Dentre as divergências apresentadas pelos estudos de cada participante, chegou-se a um denominador comum para aferir o nível de tributação: a incidência da arrecadação sobre o PIB.
No entanto, os custos instrumentais não possuem ligação direta com esse denominador, pois seu cálculo depende da relação entre o nível de recolhimento entre impostos e alíquotas. Existem sistemas alicerçados em poucos impostos e altas alíquotas, assim como outros baseados em muitos impostos e baixas alíquotas.
Com base nos estudos sobre os resultados demonstrados, chegamos a seguinte conclusão: o coeficiente geral de tributação sobre o PIB tem sofrido uma elevação relevante desde 1970, tendo como principal incidente o aumento das contribuições sociais.
As demais considerações feitas no congresso foram a respeito dos custos administrativos, e do fato dos custos de conformidade serem sempre superiores a ele.
Em cima desses entendimentos, chegaram também a soluções como: a necessária redução dos custos de conformidade e de administração, bem como sua maior analise e encaixe nas políticas tributárias.
2 - Custos de conformidade no sistema tributário brasileiro
Preliminarmente, se faz necessário apontar que qualquer país pode ter uma carga tributária muito alta e um sistema tributário justo, como pode ter uma carga baixa com um sistema tributário caótico.
No Brasil, ocorre a pior das hipóteses: carga tributária excessiva atrelada a um péssimo sistema tributário
O nosso atual sistema é marcado pelas constantes alterações advindas de emendas constitucionais, e por decisões que na maioria das vezes sobrecarregam os contribuintes.
Urge mencionar que, quando falamos em carga tributária excessiva, não estamos nos referindo apenas a cobrança de impostos. A tributação engloba outros custos que influenciam na economia e por isso não podem ser desprezados.
Feitas essas considerações, se torna previsível que tributos mal instituídos possam causar impactos diretos na economia, como por exemplo, no caso de onerar as exportações e favorecer as importações. Neste liame, citamos o PIS/PASEP e a COFINS como modalidades tributárias repugnáveis.
Assim sendo, muito embora os esforços do Fisco, em tentar corrigir os problemas dos tributos mencionados de efeito cumulativo latente, não são alcançados os efeitos desejáveis, e o custo disto se reflete em práticas burocráticas que oneram os contribuintes.
Um agravante para essa situação é o fato do legislador pátrio ter criado tardiamente um regramento para o controle fiscal. Desta forma, foram tomadas diversas medidas de emergência, que por vezes acresciam os impostos de maneira ilegal, e não tomavam a devida cautela com o aumento dos custos de conformidade.
Nosso modelo de Estado, que se consiste em uma Federação, também piora o quadro, pois traz uma multiplicidade de normas estaduais e municipais.
As práticas acima citadas, necessárias para cumprir os tributos, causam um prejuízo na casa dos bilhões todo ano. Essa quantia exorbitante deveria estar sendo alocada para atividades produtivas, em detrimento do cumprimento de meras determinações legais. Uma pormenorização desses valores traria uma racionalização das exigências do Fisco, resultando em benefícios para ambas as partes.
Outro fator que prejudicou muito o domínio destes gastos foi a má qualidade de gestão do administrador público em nosso país. Até ser promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano de 2000, equilíbrio e controle eram conceitos distantes do nosso sistema.
Em decorrência disso faltavam recursos, que eram erroneamente supridos pelo aumento da dívida pública, taxas e impostos.
Diante deste panorama, criou-se um mal estar entre os contribuintes e o Estado. O primeiro agente, que deveria sentir-se protegido, colocou-se em posição de retaguarda frente ao segundo, por conta de tantos atos descabidos e antiéticos.
O resultado disso foi gravoso para ambos. Analisando a história nacional, enxergamos que várias empresas preferiram não crescer, para não ter que arcar com os ônus tributários.
Em contrapartida, o Estado ficou em parte estagnado, em presença desse medo do contribuinte, causando um receio geral, que engessou por vezes a economia brasileira.
Em se tratando dos custos de conformidade no Brasil vemos que, em parte, estão disciplinados no art. 113 do Código Tributário Nacional.
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
Como se pode notar, as obrigações acessórias (custos de conformidade) possuem grande relevância para o direito pátrio, especialmente no que se refere a cobrança necessária para sua efetivação.
Sendo assim, compreendemos a relevância do tema, bem como a importância que deve ser dada pelo contribuinte.
3 - Os tipos de custos de conformidade
Primordialmente, se faz necessária uma breve explanação, a respeito dos tipos de custos de conformidade. Isso servirá para que se entenda melhor a lógica de nosso sistema tributário, e a desnecessidade de gastos com esses atos burocráticos e onerosos.
Para o pesquisador Cedric Sandford os custos de conformidade se dividem em três modalidades, são elas: os custos monetários diretos, os temporais e os psicológicos.
O primeiro corresponde às obrigações das empresas, no intuito de cumprir os deveres acessórios, relativos a todo o procedimento pertinente a efetivação das atividades da pessoa jurídica exigidos pelo Fisco.
O segundo equivale ao lapso temporal necessário para a contabilização e preenchimento das declarações.
E o último consiste no desgaste emocional a que o contribuinte honesto é submetido, todas as vezes que o Poder Público o intima por algum erro nas declarações realizadas.
Em suma, os três tipos aludidos correspondem às responsabilidades das empresas e os custos totais de conformidade.
4 - SPED fiscal - Uma possível solução para amenizar os custos de conformidade
Em Janeiro de 2007 foi oficializado o projeto SPED - Sistema Público de Escrituração Digital. Trata-se de uma solução tecnológica, que oficializa os arquivos digitais das escriturações fiscais e contábeis dos sistemas empresariais, dentro de um sistema digital específico e padronizado.
Neste sentido, o SPED surgiu como forma de reduzir os custos com o armazenamento de documentos, e também para minimizar os encargos com o cumprimento das obrigações acessórias (custos de conformidade), além de possibilitar uma maior segurança.
Ocorre que, o processo de informatização das operações de fiscalização dos diversos entes tributantes acabou por resultar num aumento do número de declarações, e prestação de informações por via eletrônica a cargo dos contribuintes.
Não há que se questionar que, a apresentação das informações de interesse do Fisco por via eletrônica imprime celeridade do trabalho, e o aperfeiçoamento dos controles de fiscalização. A consequência disso é a diminuição do tempo da fiscalização dentro das empresas; contudo, a burocracia ainda permeia, na medida em que os documentos físicos continuam sendo arquivos pelo prazo decadencial dos tributos neles envolvidos.
Conforme já exposto, o custo das empresas, para manter uma estrutura mínima capaz de atender as determinações do Fisco, representa uma parcela considerável que não pode ser descartada na determinação dos custos finais da atividade.
Trazemos então à baila, as dificuldades inerentes à confecção de declarações como DCTF, DIPJ, PER/DCOMP, entre outras, cujas informações necessitam ser cruzadas, para evitar o risco de autuações.
Com o advindo da Instrução Normativa 86 de 2001, da Receita Federal, as obrigações acessórias (custos de conformidade) mereceram maior atenção. Isto porque, o referido ato normativo dispõe sobre informações, formas e prazos para apresentação de arquivos digitais.
Assim sendo, conforme está preceituado no mencionado normativo: as pessoas jurídicas que utilizarem sistemas de processamento eletrônico de dados, para registrar negócios e atividades econômicas ou financeiras, que escriturarem livros ou elaborarem documentos de natureza contábil ou fiscal, estão obrigadas a manter os arquivos digitais e sistemas à disposição do Fisco, observando o prazo decadencial previsto na legislação tributária.
Ademais, em complementação ao supra mencionado dispositivo, foi editado o Ato Declaratório COFIS nº 15 de 2001, que contemplava as especificações técnicas para o armazenamento e a formatação dos arquivos.
Não se pode desconsiderar que, o SPED é incompleto e não permite o registro de certos fatos a que se obriga o contribuinte que tem a obrigação de apurar o tributo devido ("autolançamento"), levando a forçosas adaptações ou à autodenúncia, inadmissível quando se verifica o peso das multas.
Ademais, o descumprimento das obrigações acessórias, o erro no preenchimento das informações e a apresentação de dados incorretos acarretam penalidades na forma prevista na legislação específica.
5 - Conclusão
Diante do exposto, verifica-se que as despesas causadas pelas obrigações instrumentais provoca um efeito considerável na rotina das empresas, sendo de extrema importância uma simplificação do sistema tributário nacional, haja vista que sua excessiva complexidade causa desperdícios de recursos, tanto dos contribuintes quanto o Estado.
Outrossim, o citado sistema é incompleto e não permite o registro de certos fatos a que se obriga o contribuinte para diminuir o risco de autuações por parte do Fisco, e tornar o cumprimento das obrigações acessórias menos onerosos.
Diante de tal quadro, as empresas estão se valendo, cada vez mais, da parceria com assessorias especializadas, para analisar os procedimentos relacionados às obrigações assessórias nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Ainda assim, se impõe um cuidadoso proceder, não deixando o profissional, e o empresário, de atender as exigências fiscais. Mas, sempre, devidamente assessorado, nunca prescindindo de exercer seus direitos por questões de ordem acessória.
Em se tratando do SPED, enxergamos que foi uma tentativa de solucionar o caos burocrático, tornando o sistema mais acessível e célere. Contudo, apesar de imprimir mais rapidez, enxergamos ainda a burocracia como problema fundamental e recorrente em nosso sistema.
Pelo tanto exposto, nota-se que ainda não galgamos o quadro ideal para nosso aparelho tributário, onde, para atingir tal objetivo, faz-se necessária uma desoneração e desburocratização em face do contribuinte, além de uma otimização dos recursos, pertinentes aos tributos e seus custos de conformidade.
6 - Referências
BERTOLUCCI, A. V. Quanto custa pagar tributos. São Paulo: Atlas, 2003.
BERTOLUCCI, A. V. O Custo de Administração dos Tributos Federais no Brasil:
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
SANDFORD, C.; Godwin, M.; Hardwick P. Administrative and Compliance CosTaxation. Bath: Fiscal Publications, 1989.
SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1975. p. 92
AMARAL, G.L.; et al. 1988. Quantidade de normas editadas no Brasil: 18 anos e Constituição Federal de 1988 IBPT. Disponível em http://www.ibpt.com.br/estudos/estudos.viw.php?estudo_id=9a1158154dfa42caddbd0694a4e9bdc8, acesso em: 28/04/2011
AMARAL, G.L. e OLENIKE, J.E. 2006. Carga tributária Brasileira (revisada). IBPT. Disponível em http://www.ibpt.com.br/arquivos/estudos/2006_-_C_T_B_(REVISADA).pdf, acesso em: 20/04/2011.
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