Questão antiga no direito tributário brasileiro refere-se às absurdas multas previstas em legislação infraconstitucional, a despeito de disposições constitucionais que garante o não confisco e determinam que a atuação da Administração deva seguir parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, garantindo a segurança jurídica.
Na seara tributária, a multa pode ser punitiva, corretiva ou desincentivadora, dependendo da situação que enseja sua aplicação.
Sobre o tema, colhem-se sábios ensinamentos na obra “Da Sanção Tributária”, editora Saraiva, São Paulo, 1998, 2ª edição, páginas 61/69, de autoria do prof. Ives Gandra da Silva Martins:
“(...) posso definir a multa por falta de recolhimento[1][1] de tributo como penalidade tributária de natureza punitiva, onde inexiste dolo e cuja graduação objetiva ressarcir prejuízos do recolhimento a destempo e apenar o risco da afastada incidência de caducidade.
(...) Penalidade por descumprimento de obrigação acessória – (...) De densidade e graduação menos severa que as sanções punitivas ou desincentivadoras, tem, portanto, características de mero alerta ou reorientação de erros havidos. Poder-se-ia, portanto, definir a multa por descumprimentos acessórios como penalidade de natureza corretiva, cuja graduação objetiva evitar falhas nos controles formais e reorientar o sujeito passivo da relação tributária a agir corretamente.
(...) Multa por sonegação de tributo – (...) diferentemente da multa por falta de recolhimento, cujas características são muito semelhantes, tem, todavia, dois elementos distintivos, ou seja, a existência de dolo, quando da evasão de renda, assim como a necessidade de desincentivar, de forma inequívoca, a reincidência.
De todo modo, independente da natureza (punitiva, corretiva ou desincentivadora), fato é que o Fisco, pautado em legislação infraconstitucional, aplica elevadas multas, ameaçando a continuidade da atividade econômica, quando aplicada contra pessoa jurídica, ou comprometendo a totalidade do patrimônio da pessoa física.
Por tal motivo, contribuintes têm se socorrido do Poder Judiciário na tentativa de se protegerem contra a ânsia arrecadatória do Fisco, questionando a constitucionalidade da aplicação.
Neste passo, recentemente (16.09.2011), o Ministro Joaquim Barbosa, relator do Recurso Extraordinário 640.452/RO, reconheceu a repercussão geral no que tange à punição aplicada pelo descumprimento de obrigação acessória, sem conseqüência direta no montante efetivamente devido a título de tributo, ou seja, é o caso da multa que não acompanha o tributo, cobrada nas hipóteses de descumprimento de obrigação acessória (natureza corretiva).
Como exemplo, cite-se as autuações que atingem valores próximos a um milhão, porque o contribuinte deixou de entregar arquivos digitais de suas operações, mesmo tendo entregue as guias de informação e apuração de ICMS (GIAs), bem como prestado informações que possibilitassem apurar o montante das operações.
Aliás, ao reconhecer a repercussão geral do tema, o Ministro Joaquim Barbosa bem asseverou: “Em relação à relevância abstrata da matéria, lembro que a literatura especializada tem constantemente registrado o aumento da complexidade e da quantidade de obrigações acessórias. Indagar acerca de quais são os parâmetros constitucionais que orientam a atividade do legislador infraconstitucional na matéria representará, sem dúvidas, grande avanço de segurança jurídica”.
No entanto, conforme mencionado, a questão tratada é antiga, sempre com foco à discussão da inconstitucionalidade das elevadas multas, que, não raras às vezes e de forma inequívoca, compromete todo patrimônio do contribuinte.
Neste sentido, cite-se o RE 81.550/MG, julgado em 20.05.1975, no qual houve redução da multa moratória (falta de recolhimento do tributo) de 100% do imposto devido, para 30%, base que o então Relator, Min. Xavier de Albuquerque, reputou razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte.
Saliente-se que até nas hipóteses em que a sanção aplicada assume caráter desincentivador (multa por sonegação de tributo), o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 551/RJ (DJ 14.02.2003), perfilhou entendimento no sentido de que as multas são acessórias e, como tal, não podem ultrapassar o valor do principal. Confira:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2º E 3º DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA.
A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal”.
Naquela oportunidade, questionava-se a constitucionalidade de dispositivo de lei estadual que aplicava multa equivalente a duas vezes o valor do tributo, como conseqüência do não recolhimento, e cinco vezes, se constatada hipótese de sonegação, sendo certo que a inconstitucionalidade do dispositivo legal foi reconhecida, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno do STF, por atentar contra o inciso IV do artigo 150 da Constituição Federal, já que inexistente proporcionalidade entre a violação da norma jurídica tributária e sua conseqüência jurídica.
Parece-nos que o Excelso Pretório2 caminha para o reconhecimento do caráter confiscatório, e, portanto, inconstitucional, das absurdas multas aplicadas pelo Fisco, notadamente, pela Secretaria da Fazenda do Estado, de modo a proteger o contribuinte da terrível ânsia arrecadatória fiscal, garantindo, igualmente, a segurança jurídica na relação entre contribuintes e Administração.
De todo modo, cabe ao contribuinte buscar no Poder Judiciário a tutela de seus interesses, insurgindo-se contra as elevadas multas arbitradas em autuações fiscais federais, estaduais e municipais.
[1][1] Na obra citada o autor, também, refere-se à multa aplicada no recolhimento a menor do tributo, como de natureza punitiva.
2 Quanto ao entendimento perfilhado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 582.461/SP, conquanto reconhecida repercussão geral do caráter confiscatório da multa moratória de 20% do valor do imposto devido, ao analisar o mérito da causa, o STF, por maioria de votos, negou provimento ao recurso, entendendo constitucional aludido porcentual (DJe 17/08/2011). No entanto, insta observar que a análise limitou-se, apenas, ao porcentual mencionado, tanto que restou consignado pelos Nobres Ministros que “a multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos”.