Em que pese a conciliação ser a ferramenta mais rápida e adequada para a solução dos conflitos privados, esta modalidade de pacificação das controvérsias vem sendo ignorada pelas empresas e empregados envolvidos em algum tipo de desacordo, terminando, em sua maioria, nos já atarefados tribunais do trabalho.
O legislador bem que tentou estabelecer tão saudável prática com a criação da Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que acrescentou os artigos 625-A ao 625-H, à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e criou as comissões de conciliação prévia. Referida lei faculta que empresas e sindicatos constituam comissões de conciliação, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais vinculados ao setor.
De forma bastante simples, qualquer trabalhador que entenda ter havido algum descumprimento do contrato de trabalho pode formular por escrito ou verbalmente eventual queixa à comissão constituída.
A inovação legal trouxe a esperança de que os órgãos judiciais trabalhistas sofreriam uma significativa redução dos processos ajuizados, permitindo que os casos efetivamente levados a eles fossem decididos com mais rapidez e qualidade.
Outra percepção havida é a de que o legislador percebeu o amadurecimento da classe trabalhadora, não lhe impingindo mais a anacrônica pecha de hipossuficiente, compreendendo que o mais simples dos empregados tem perfeita consciência dos seus direitos e pode firmar acordos privados, especialmente se assistido por representantes de sua entidade sindical.
Contudo, uma polêmica foi levantada em razão de que a lei impõe como requisito para o ajuizamento de ação trabalhista, a apresentação preliminar da controvérsia à comissão de conciliação, desde que esta tenha sido constituída no âmbito da categoria e do local da prestação de serviços. Em duas decisões de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 2139 e 2160), o Supremo Tribunal Federal entendeu que a obrigatoriedade do prévio comparecimento perante às comissões de conciliação prévia violaria o direito constitucional de livre acesso à Justiça.
Vivemos em uma época estranha cujos conceitos falaciosos e inverossímeis se sobressaem à própria realidade nos lembrando da máxima de Georges Ripert de que "quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito". No caso, sob o argumento de supostamente garantir o amplo acesso à Justiça, fulminando, na prática, com a moderna ferramenta da conciliação prévia, o entendimento da mais alta Corte Superior acaba por perpetuar a própria ineficiência da jurisdição.
No status atual, os jurisdicionados vêm distribuindo diretamente as suas reclamações, ignorando as comissões de conciliação constituídas, atolando e atravancando o andamento dos seus próprios processos. Depois de dez anos da edição da nova lei, o que temos atualmente é uma estrutura jurisdicional gigantesca e onerosa que por mais que os seus valorosos serventuários se esforcem, não conseguem dar conta da estratosférica demanda existente. Nesta contabilidade, o único que lucra é aquele que descumpre a legislação, pois conta com a falta de estrutura compatível com a carga de trabalho da Justiça.
Defendemos a convicção de que a instrumentação trazida pela Lei 9.958 jamais teve o objetivo de impedir o acesso à Justiça, vez que a conciliação é mera faculdade outorgada às partes. Em não havendo a transação, tanto um como o outro, valendo-se do termo fornecido pela comissão, pode ingressar com a ação judicial. A nosso ver, a exigência é perfeitamente razoável, a fim de estimular aos jurisdicionados para que tentem inicialmente a via da conciliação, evitando o embate em juízo e os transtornos daí decorrentes para os demandantes, bem como para toda a sociedade.
O presente artigo convida os leitores a refletir se não seria mais saudável para as partes envolvidas em uma controvérsia tomarem para si a solução do problema, cedendo um pouco, perdendo aqui, ganhando ali, finalizando com rapidez e eficiência uma pendenga, sem custo nenhum para a coletividade. Creio que chegariam à conclusão de que é muito mais salutar decidir o próprio destino ao invés de deixar que a solução seja tomada por alguém estranho e insensível ao conflito.
Marcelo Ricardo Grünwald é mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP e sócio de Grünwald e Giraudeau Advogados Associados