O debate sobre a desoneração da folha de pagamentos é bem mais complexo do que aparenta. É incontestável que a tributação sobre a folha é elevada e requer mudanças, mas elas precisam ser bem analisadas, sob pena de insuficiência de recursos para honrar os benefícios previdenciários, de um lado, e a não resolução dos problemas de formalização do emprego e competitividade das empresas, de outro. Os defensores da desoneração da folha fundamentam a mudança sob duas perspectivas. A primeira, pela necessidade de ampliação da base de tributação além do emprego, por força do crescimento da população idosa no País, cujos reflexos sobre as despesas previdenciárias serão inevitáveis. A segunda, pela necessidade de aumentar a competitividade internacional das empresas, notadamente nos setores intensivos em mão de obra, de um lado, e ampliar a formalização do emprego, de outro. A elevada tributação sobre a folha, segundo setores do governo, estimula a informalidade em atividades de baixos salários e induz ao planejamento tributário em atividades de altos salários, via contratação de trabalhadores como pessoa jurídica. De fato, a incidência da contribuição patronal sobre a folha, além do FGTS de 8%, que constitui salário indireto, inclui seis outras rubricas: a) Previdência Social, de 20% sobre o total da folha; b) Seguro Acidente de Trabalho, de 0,5% a 6,0%; c) Sistema S, de 2,5%; d) Sebrae, de 0,6%; e) Incra, de 0,2%; e f) Salário Educação de 2,5%. A carga sobre a folha, sem o FGTS, varia de 26,30% a 31,80% e com o FGTS fica entre 34,30% e 39,80%. A idéia em debate sobre a desoneração seria apenas sobre a contribuição previdenciária patronal, a de maior valor, cuja perda de recursos para a Seguridade seria compensada pela ampliação da tributação sobre a receita ou o faturamento das empresas. A eventual desoneração da folha de pagamento, entretanto, deve considerar pelo menos cinco aspectos:
1) preservação dos benefícios previdenciários, com garantia de repasse automático do valor correspondente à perda de receita; 2) criação de mecanismos que evitem volatilidade nas receitas previdenciárias, especialmente em períodos de crise, como seria o caso de substituição pelo faturamento; 3) redução gradual da alíquota sobre a folha, porém sem eliminar essa fonte, como forma de permitir a fiscalização das obrigações fiscais das empresas; 4) aumento da competitividade nacional; e, 5) aumento da formalização no mercado de trabalho. Além disto, só deveria ser implementada qualquer desoneração após equacionados dois problemas com reflexos sobre as contas da previdência: a) a recuperação de créditos, e b) a retirada da contabilidade da previdência de renúncias e incentivos fiscais dados a outras áreas ou setores do governo. O primeiro problema poderá ser revolvido mediante o fortalecimento dos órgãos da Advocacia-Geral da União responsáveis pela recuperação de crédito, com ações de penhora de bens dos devedores contumazes, de um lado, e, de outro, com ampliação da transparência através do retorno da divulgação da lista dos grandes devedores da Previdência Social e da ampliação das exigências para fornecimento de Certidão Negativa de Débito Previdenciário. O segundo problema, relativo a renúncias e incentivos fiscais com receitas previdenciárias, poderia ser equacionado mediante a transferência dessa despesa para o Orçamento Fiscal, debitando-as na rubrica de cada ministério responsável pelos programas que se beneficiam de tais renúncias ou incentivos previdenciários, como o comércio exterior, os hospitais filantrópicos, o ProUni, entre outros. O tema desoneração da folha, como se vê, é complexo e polêmico. É preciso definir o escopo da desoneração. Deve alcançar toda economia ou só alguns setores? A alíquota será diferenciada por setor ou igual para todos? A desoneração deve ser total ou parcial? Qual será a transição para o novo sistema? A nova contribuição a ser criada em face da desoneração será cumulativa ou não cumulativa? Estas e outras questões precisam ser amplamente debatidas.
Finalmente, é preciso que fique explícito no texto constitucional que é da União a responsabilidade pelo financiamento das necessidades de caixa da Previdência Social, e da Seguridade Social como um todo, independentemente de fontes específicas e vinculadas, por se tratar da necessidade de garantias do direito social acima e além das situações da conjuntura econômica. Eventuais déficits de caixa, gerados pela substituição da fonte, não podem ser aceitos em nome de “ajustes” ou “reformas” voltados à supressão de direitos.
() Jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap, colunista da revista “Teoria e Debate” e do portal “Congresso em Foco” e autor dos livros “Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis”, “Por dentro do Governo – como funciona a máquina pública” e “Perfil, Propostas e Perspectivas do Governo Dilma”.