No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade de diversos incentivos fiscais concedidos por alguns Estados e distrito federal por não terem sido aprovados pelos representantes das unidades federadas.
Até aqui, nenhuma novidade!
A quantidade de processos julgados em uma mesma sessão, ainda que muitos deles datassem de muitos anos atrás, e manifestações de alguns dos ministros de nossa Suprema Corte, inclusive com sugestões de que todos os demais processos que ali se encontrem sejam colocados em julgamento com a maior brevidade possível, permite presumir a intenção de se por fim ao que se denominou guerra fiscal.
Certamente, a esmagadora maioria dos cidadãos brasileiros minimamente informados e desejosos de um país cada vez melhor, mais desenvolvido, irá aplaudir de forma entusiástica a postura da Corte, sonhando com um sistema tributário que prime pela simplicidade, racionalidade e equilíbrio.
O bom tributo é aquele que é, antes de tudo, neutro. Inclusive porque quando todos pagam, todos pagam menos!
Entretanto, a guerra fiscal é uma realidade que perdura por diversas décadas e, nela alicerçadas, empresas se estabeleceram, investimentos se realizaram, empregos foram gerados aos milhares (ou seriam milhões?).
Devemos buscar um modelo que seja neutro, isonômico, objetivo, transparente e juridicamente seguro
Mesmo que tenha provocado graves distorções para a economia do país, supriu, ao longo desse tempo, a ausência de uma consistente e justa política nacional de desenvolvimento regional, com a complacência dos poderes constituídos, inclusive o judiciário, dos consumidores, que ao fim e ao cabo pagam a conta, e dos empresários, que mesmo criticando o sistema no atacado, no varejo sempre procuram os gabinetes das autoridades públicas em busca de benefícios fiscais.
É duro para um governante ouvir de empresários sérios: se não me conceder benefício (inconstitucional) irei para outro Estado que me concede (ainda que também inconstitucional); não posso aqui me instalar, pois em outro Estado tenho benefícios fiscais (inconstitucionais) que aqui não existem.
Por que não contestar esses benefícios junto ao STF? Porque demora (ou demorava?) muito e, quando sai a decisão, o prejuízo já é irrecuperável. Onde todos são culpados, não há culpa. Portanto, pensemos no país sem utopias, mas com os pés no chão.
Se sobrevivemos com essa realidade até aqui, e até evoluímos bastante nos últimos 16 anos, é porque somos um povo trabalhador e competente (além de Deus ser brasileiro). O que o Brasil precisa é de um horizonte claro e seguro, não de sobressaltos e insegurança jurídica.
Não nos deixemos enganar por aqueles que preferem imputar à carga tributária do país a responsabilidade por todas as suas mazelas. Antes de discutir se o imposto é elevado ou não, devemos é buscar um modelo que seja neutro, isonômico, objetivo, transparente e, em especial, juridicamente seguro.
Por outro lado, dar cabo a benefício fiscal de um Estado mas manter idênticos de outro seria o mesmo que, em nome da paz, já que estamos falando de guerra, se retirasse as armas de um lado, mas mantivesse armado o outro - não haveria paz, mas destruição - no caso, de empregos, investimentos.
O remédio para isso seria, caso o STF venha a efetivamente dar celeridade aos julgamentos deste caso, começar a questionar os benefícios concedidos pelos Estados concorrentes. Sairíamos da guerra fiscal para a guerra das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs).
Caberia, assim, ao Supremo Tribunal Federal assumir sua função política e não agravar o problema, pois o cerne da questão não é só jurídico. Caberia aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário buscar uma solução que seja definitiva, mas sem traumas.
Imposto é custo. Os benefícios fiscais estão nas planilhas de formação de preço das empresas. Os impostos desonerados não foram repassados, ao menos em sua integridade, aos preços. Cobrar impostos do passado, que não foram pagos por força de normas jurídicas até então válidas, dado que todas se presumem legais e constitucionais por princípio, seria uma quebra de confiança, seria cortar na carne do empresário, pois a gordura, se existe, é mínima. Seria a morte ou, ao menos, a atrofia. Seria o desemprego, o retrocesso econômico e social das unidades federadas e, por consequência, do país.
Afirmam alguns que o empresário não pode reclamar, pois sabia desde o início que seu benefício era inconstitucional, portanto, assumiu o risco e perdeu. Mas as autoridades concedentes também não sabiam? O País não sabia? Procurar identificar responsáveis, nessas horas, não é solução. Não raro, apenas agrava o problema.
Não se trata, então, de discutir se o efeito das decisões do STF será ex tunc ou ex nunc, pois isso apenas irá definir o tamanho do estrago.
Precisamos, sim, dar um basta nessa Guerra, mas que sejam analisados todos os benefícios vigentes, identificados os inconstitucionais e, para esses, fixado data uniforme para a perda de sua eficácia, em tempo bastante para que as mudanças sejam absorvidas sem provocar a quebra ou graves dificuldades para as empresas. E que os novos empreendimentos possam gozar dos mesmos benefícios, pelo prazo remanescente, pois reserva de mercado também não é algo que se deseje.
Que a sociedade não se veja, mais uma vez e sem culpa, obrigada a pagar a conta de uma omissão coletiva, seja pelo desemprego, seja pela retração da economia, seja pelo aumento dos preços (inflação!).
Como avô recente, me preocupa bastante o país que poderemos estar deixando para nossos netos, pois, para os nossos filhos, só recentemente conseguimos algo melhor.
E que jamais se retire a cidadania brasileira de Deus!
Ricardo Pinheiro é subsecretário de Receita do estado do Rio de Janeiro