Está em gestação a elaboração de um novo Código Comercial, uma vez que o vetusto Código de 1850 foi revogado quando da entrada em vigor do atual Código Civil em 2002, permanecendo apenas a parte referente ao direito marítimo. Os juristas em geral têm se manifestado a favor e, dentre os itens sempre mencionados para integrar o código, consta o mercado de capitais.
Face a essa constatação é interessante fazer alguns comentários a respeito das normas e leis desse mercado. As leis mães, que o regularam entre nós, datam das décadas de 60 e 70 do século passado a saber: A Lei nº 4.728, de 1965 disciplinou o mercado de capitais, a Lei nº 6.385, de 1976 dispôs sobre o mercado de valores mobiliários e criou a Comissão de Valores Mobiliários e a Lei nº 6.404, de 1976 conhecida como a Lei das S.As derrogou o antigo decreto Lei nº 2.627, de 1942.
Ao longo dos últimos anos algumas alterações foram introduzidas nessas leis, mas não refletiram todas as enormes transformações ocorridas no mercado. Arnoldo Wald, em recente artigo publicado neste Jornal, dizia ao mencioná-lo que "praticamente inexistente se tornou um dos mais prestigiados do mundo". Para se ter uma ideia do número de regulamentos e normas editados pela CVM nesse longo período, basta atentar para o seguinte: foram cerca de 500 Instruções Normativas, mais de 600 deliberações, pareceres, de orientação, circulares etc. Assim o advogado militante na área precisa debruçar-se sobre um emaranhado constantemente alterado.
Em uma época em que os negócios bursateis acontecem só no mundo eletrônico, com vertiginosa velocidade, em que a tecnologia é usada tanto para o bem como para o mal, as autoridades reguladoras correm sempre atrás de fraudes e manipulações.
Como regular numa Lei Geral um mercado tão volátil? Uma questão intrigante diz respeito à globalização que foge não raro ao controle dos países, pois os grandes negócios são agora realizados por corretoras e bancos multinacionais e as leis e órgãos regulatórios continuam vinculados ao âmbito nacional em que pese a existência da Iosco (International Organizacion of Securities Comission) da qual o Brasil participa num dos comitês regionais através da CVM. Como disse o economista Jeffrey Sach, embora num contesto mais amplo: "As grandes corporações contam com tamanho poder financeiro que os governos têm medo de enfrentá-las".
Outro aspecto relevante concerne à mobilidade dos capitais, através de intrincadas operações de fusões, incorporações, cisões, compra e venda de empresas de capital aberto, em que os minoritários deparam-se com suas ações transferidas para outras empresas, mesmo contando com tag along e outras proteções, aliás pouco eficazes do ponto de vista da estratégia do investidor que se vê desinvestido de uma hora para outra.
Um terceiro ponto merece ainda ser considerado. Trata-se do uso de informação privilegiada. O combate a essa prática tem crescido sem, contudo, ter diminuído. Entre nós a Lei nº 10.303, de 2001 acrescentou à nº Lei 6.385 o artigo 27-D tipicando como crime "utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, prevendo pena severa de reclusão de um ano a cinco anos. A questão não parece adequada para ser tratada num Código Comercial, embora de grande magnitude. O mundo macro dos mercados de capitais, realidade inescapável nos dias que correm, constitui um desafio e uma tarefa árdua no momento em que se pretende codificá-lo.
Por fim devem ser consideradas as diferenças entre os chamados mercados emergentes, entre os quais o Brasil ainda se inclui, e "o sistema de mercados de capitais normalmente associado ao mundo desenvolvido ou industrializado" como assinalou Mark Bobius na obra "Mercados Emergentes".
Hoje não são mais as pessoas, com poucas exceções, que investem diretamente. Esse mister passou às mãos de terceiros que apostam com o capital alheio. Daí acontecerem as bolhas e as pirâmides. Comenta-se nos corredores de Wall Street que uma reforma ampla poderá ocorrer no mundo das finanças mundiais, depois que a poeira da crise assentar.
Por isso, essa tarefa não deverá restringir-se a juristas, mas incorporar a experiência e o conhecimento de pessoas de mercado, sabedores de seus meandros e manhãs como, por exemplo, Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e autor de recente obra sobre a matéria. Embora não seja o caso da pessoa acima mencionada vale lembrar que os americanos, quando criaram a SEC, colocaram na presidência um notório especulador Joseph Kennedy, pai do futuro presidente dos Estados Unidos, pois ninguém melhor do que ele conhecia os caminhos do mercado.