Desde a chegada da Lei nº 9.307, de 1996, e, sobretudo, desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou sua perfeita constitucionalidade, o recurso à arbitragem, por oposição à jurisdição estatal estrita, proliferou principalmente nas frequentes e economicamente importantes questões envolvidas nos grandes contratos de obras, de fornecimento, de serviços técnicos. No mais, a faculdade de preferir o arbitramento privado é ampla e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que até as sociedades de economia mista com atividade econômica de produção de bens ou prestação de serviços - como Petrobras e Banco do Brasil - podem levar suas querelas à arbitragem.
Debate-se muito a respeito dos limites da arbitragem nos conflitos societários, as disputas entre dois ou mais acionistas, entre estes e a sociedade em si, ou entre qualquer daqueles e os gestores da sociedade.
Por cuidar de direitos patrimoniais disponíveis - artigo 1º da Lei nº 9.307, de 1996), a arbitragem nessas questões entre as companhias e seus acionistas, ou apenas entre estes ou os que envolvam os gestores da empresa, há de ser admitida, desde que exista tal compromisso arbitral antes ou depois de instaurada a divergência. Então aparece o questionamento quando tal cláusula arbitral é inserida nos estatutos da sociedade.
Ressalvam-se logo as possíveis ações societárias contra os administradores, os peritos avaliadores, os fiscais, os liquidantes, onde a submissão arbitral só se resolve pela compulsória adesão aos estatutos requerida de modo expresso àqueles agentes.
Dizer que o direito de voto, por exemplo, nas assembleias-gerais, é um direito político e não patrimonial (indisponível pois) seria distorcer a realidade objetiva do feixe de direitos contidos em uma ação, em uma participação societária, pois que o direito de voto é algo instrumental em função do real e concreto direito patrimonial do acionista nas vantagens e ganhos econômicos com suas ações.
Se então, observado pela assembleia o quorum legal e estatutário para tal aprovação do compromisso arbitral como cláusula estatutária, como tratar as hipóteses onde acionistas tenham votado contra tal dispositivo, ou não tenham comparecido à assembleia-geral?
Parece-nos mais coerente juridicamente que tais acionistas, se ausentes do conclave, ou mesmo presentes sejam derrotados na votação, se vejam obrigados a respeitar o compromisso arbitral como prevalente em todos os conflitos derivados de sua participação na companhia. Isso em que pese a realidade de um procedimento que é, muitas vezes, mais caro que o processo judicial, para não se falar do maior peso específico de uma sociedade, talvez de expressão, perante um painel leigo, mais afeto à indústria, ao mercado financeiro, ao comércio, vis a vis uma pessoa física média.
Saliente-se que o artigo 136 da Lei nº 6.404 não contempla, como deveria, a criação da compulsoriedade do arbitramento nas questões da companhia como causa ensejadora do direito de recesso. A verdade é que a participação no capital de uma sociedade, não só anônima, é uma livre escolha do cidadão, e se ali está como minoritário corre o risco de decisões como esta, às vezes tomadas por um quorum não necessariamente substancial, como se vê do artigo 135 da Lei nº 6404.
De igual forma, ao adquirir ações de uma companhia, a pessoa adere a um corpo institucional regrado por estipulações aplicáveis para a vida da sociedade, no caso das companhias corporificadas no estatuto social. Se ali estiver consignada cláusula de arbitramento para as questões societárias, esta tem plena eficácia perante o adquirente das ações. Pois, apesar de hábito pouco difundido, é de rigor jurídico que um adquirente de participação societária leia as regras pertinentes à vida da pessoa jurídica, onde as expressões de seus direitos - aos dividendos, à participação política pelo voto - devem estar consignadas.
Ao contrário dos grandes contratos - de obras, de fornecimento, de montagens industriais e de exploração petrolífera -, as ações internas às companhias, sejam estas grandes ou pequenas, abertas ou fechadas, se constituem de dissídios de característica mais estritas, pois que bem ligados à dinâmica interna do corpo social (assembleias, formalidade de convocação, laudos periciais etc) que pouco remetem a um arbitramento por câmaras internacionais, estas muito mais afetas a parâmetros e arquétipos de estruturas contratuais hoje disseminadas mundo a fora.
Pode-se afirmar que as contendas entre acionistas da sociedade anônima, ou entre esta e algum acionista, são disputas mais domésticas, que sugerem um painel arbitral mais próximo da sede da empresa. Esta deve ser uma preocupação da sociedade que adotar o caminho arbitral, evitando a escolha nos estatutos de um fórum de arbitragem longe da empresa e de sua realidade diária.
Registre-se que as decisões arbitrais (artigo 32, VIII da Lei nº 9.307) serão nulas se "forem desrespeitados" os princípios do artigo 21, parágrafo 2º, da mesma lei. E entre estes vê-se ali o parâmetro da "igualdade das partes" o que pode ensejar já de início, a nosso ver, uma cautelar judicial para excluir a apreciação por uma câmara arbitral de acesso difícil ou problemático para um pequeno acionista.
Beatriz Lopes, Denise Kezen e João Rocha são sócios do Bastos-Trigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados