Trata-se de um conceito interessante para administração. As empresas do mal eram mais comuns no início da era industrial, aliadas ao processo de formação dos grandes capitais. Não havia exatamente o conceito de maldade espalhado entre os consumidores, em se tratando de empresas. Toda empresa era fruto do progresso (e da bondade), ainda que seus produtos fossem péssimos, inadequados, e seus funcionários trabalhassem em regime de escravidão. O conceito de empresas do mal estava mais arraigado entre a burguesia intelectualizada.
O ambiente de negócios do século XX, extremamente competitivo, tratou de aparar as arestas. Empresas do mal, "endemoniadas" por natureza, mudaram seu figurino na batalha dos mercados da segunda metade do século. Tornaram-se amigáveis, boas para trabalhar, e formidavelmente honestas com seus clientes.
As tradicionais empresas do mal, todavia, continuaram sua caminhada, aperfeiçoando seus métodos e desenvolvendo novas tecnologias de abordagem, em que a maldade refinada vem travestida, dissimulada, enredada.
As empresas do mal do século XXI não podem ferir seus funcionários nem lhes roubar como faziam acintosamente no passado. Mas podem enganar seus clientes, roubá-los e matá-los, como faziam no passado. Uma medicação mal pesquisada, um carro que capota com facilidade ao menor indício de curva, uma toxina no combustível, veneno nos alimentos. Uma taxa de juro mortal embutida no empréstimo a quem não sabe fazer contas.
Há um discurso bem elaborado em nossa modernidade sobre governança corporativa e responsabilidade social das organizações que se esvai como nuvens de verão, diante de práticas de grupos empresariais gigantescos. Práticas essas que ofendem o senso comum, o senso empresarial e a boa lógica de negócios.
Na verdade, uma boa parte do poder das empresas do mal advém da sua posição dentro do seu ramo e importância intrínseca dentro de um mercado de empresas com poucas opções para os consumidores dos seus produtos.
Os clientes se vergam diante de suas imposições vergonhosas. Recalls impressionantes (pela extensão e abrangência de toda uma linha de produtos), desrespeito constante às normas contratuais simples e objetivas, que ferem o direito do cliente e ofendem a ética republicana. Não há lei para empresas poderosas. O cálculo das indenizações já faz parte do preço dos seus produtos.
Essencialmente a legislação é branda com as empresas do mal em países como o Brasil. Branda num sentido amplo. Não se trata nunca da questão objetiva, mas da questão subjetiva de uma ação empresarial. Não há punição suficiente para certos crimes (os ambientais, como exemplo).
Os legisladores temem o excesso da lei. A sociedade deveria temer os excessos dos poderosos. A sociedade deveria exigir um nível de punição que tornasse irreversível a ação objetiva e subjetiva dos crimes empresariais, anulando seus efeitos através do tempo e da modernização dos negócios do ramo. A punição deveria refletir o preço social de cada crime, separado totalmente da eventual indenização reparadora.
Alguns ramos poderiam desaparecer, e a sociedade precisaria entender que certos custos - diante do ambiente empresarial atual - precisariam ser assimilados socialmente para que uma nova geração de produtos e serviços e um renovado quadro de direção empresarial finalmente restabeleçam a verdade do ramo.
Infelizmente as empresas do mal proliferam no século XXI. A mais nova sofisticação dessa indústria do mal diz respeito a seus dirigentes, falsamente ineptos. Em verdade são sagazes e sorrateiros.
Calculam seus golpes com esmero e assombrosa astúcia. Não teriam nenhuma dúvida em derrubar a companhia, levando à lona clientes e acionistas. Os fundos milionários que desviaram para suas contas lhes parecerá ter valido todo mal que praticaram.
Não é outra a raiz da crise financeira dos mercados em 2008, e que se arrasta até os dias atuais.
O mercado financeiro europeu e norte-americano foi devastado. Países de grande tradição política e legal terão de viver o clima de repúblicas do terceiro mundo diante do quadro caótico que se formou. Políticos europeus e norte-americanos gostam de fazer análises macroeconômicas sofisticadas sobre a crise atual dos mercados, para diminuir e legitimar as consequências políticas de ações impopulares que inevitavelmente serão tomadas.
Em verdade, tentam desviar a atenção de uma grande e espantosa realidade: um grupo de empresas dirigidas pela fina flor de executivos financeiros, europeia e norte-americana, desbancou os mercados e arrasou economias outrora poderosas e eficientes. Um enorme banco francês foi roubado, dizem os jornais da época, (em bilhões de euros) por um funcionário do terceiro escalão que aplicou os fundos desviados na especulação desenfreada dos mercados. Não seria mais lógico desaparecer numa ilha paradisíaca e viver com todo aquele dinheiro sua eternidade?
Todas essas questões merecem uma reflexão por parte da sociedade. Não estamos falando em deixar de comprar dessa ou daquela empresa esse ou aquele produto ou serviço, mas em mudar os hábitos de maneira radical de tal forma que certos produtos ou serviços não façam mais parte do conjunto de preocupações dos consumidores em seu cotidiano. Será um processo longo e doloroso, mas a sociedade terá de fazer uma escolha. Conviver com a maldade anunciada e repudiada ou renovar seu espírito e suas crenças, legitimar sua coragem, derrubar as barreiras ilusórias que foram erigidas em nome de uma causa que não é suficiente e não representa mais a humanidade.