Não passou de ato deplorável a operação desfechada pelo governo para impedir a votação na Câmara, terça-feira, do projeto que vincula os reajustes de aposentados e pensionistas do INSS aos índices aplicados ao salário mínimo. A mobilização da bancada aliada para cumprir a ordem do Palácio do Planalto arrimou-se em argumento que, na hipótese mais serena de censura, teve perfil de verdadeira chicana política. Lembrou que a deliberação sobre a matéria deveria aguardar a presença de líderes sindicalistas e associados nas galerias da Casa. Os principais dirigentes sindicais participam em Genebra de reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Ora, desde que a proposta desembarcou no Congresso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordena aos líderes dos partidos solidários trabalharem para torpedeá-la. Considera-a prejudicial à estabilidade das contas da Previdência Social, hoje com deficit estimado em mais de R$ 37 bilhões. O aceno à presença dos sindicalistas (todos estão empenhados na forma de reajustamento para aposentados e pensionistas acolhida no projeto) dá cobertura a simulacro obsceno. Na verdade, o embuste destinou-se a adiar o trânsito da medida inovadora.
O presidente e os gestores do sistema recusam o modelo em tramitação no Congresso com a informação de que pretendem utilizar mecanismos próprios para resolver o problema. Prometem destinar, em 2010, aos segurados do INSS (inativos e pensionistas) aumento de 6% e mais metade do percentual de crescimento do PIB. Para o ano seguinte (2011), a mesma equação seria aplicada. Nada há previsto, nem objeto de qualquer normatização legal, para os exercícios posteriores.
Não há razão alguma para que se recorra a decisões tópicas, sujeitas a serem ou não efetivadas, quando é possível implementar solução definitiva nos termos da legislação pendente de aval da Câmara (o Senado já a aprovou). São 8,5 milhões de brasileiros já envelhecidos que, há anos, lutam para recuperar perdas sucessivas de renda em função de um sistema orientado por critérios injustos, para não dizer desumanos.
O interesse presidencial é o de criar impasses no processo deliberativo do Congresso pelo menos até o fim da atual sessão legislativa. Ficaria em situação crítica se, aprovada a proposição, para ele sobrasse a ingrata e desgastante missão de vetá-la. E, assim, desagradar a 8,5 milhões de eleitores e suas famílias. Desgaste, explique-se, que atingiria em cheio a candidatura in pectore da ministra Dilma Rousseff.
Cabe, porém, não ignorar que a gestão do presidente Lula sempre se posicionou contra aposentados e pensionistas. Ricardo Berzoini, então ministro da Previdência Social (2002-2004), humilhou-os da forma mais cruel possível: ordenou a velhinhos e velhinhas, muitos até com 90 anos, comparecerem aos postos do INSS para mostrar que estavam vivos. Anota-se na biografia de Lula outro gesto da mesma índole: retirou a fórceps do Congresso a imposição de taxa previdenciária a funcionários públicos já em gozo de aposentadorias. Agora, é dever da Câmara rejeitar a função de algoz de milhões de cidadãos carentes de justiça social.