A Câmara dos Deputados aprovou, em junho do ano passado, o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar nº 306, de 2008, que pretende instituir a Contribuição Social para a Saúde (CSS). No entanto, na mesma votação, a oposição barrou o texto por meio de destaque. A matéria, até então esquecida pela base aliada do governo, voltou ao debate, e o Brasil convive com a realidade de, em breve, ter a circulação de sua moeda novamente tributada.
É inegável que essa reaparição da CSS assusta a maioria dos setores da economia. Porém, parece trazer força às sociedades de arrendamento mercantil (leasing) e aos fundos de investimento, principalmente os fundos de investimento imobiliário, que questionam autos de infração cobrando-lhes CPMF, em decorrência do não reconhecimento da aplicação da alíquota-zero em suas operações.
Ao comparar o texto do substitutivo com aquele da Lei da CPMF, verifica-se que, em linhas gerais, a CSS e a CPMF são tributos idênticos. Mas, é possível vislumbrar duas questões importantes que precisam ser discutidas: a) o veículo - Lei Complementar - que pretende instituir a CSS e a correlata questão da nova fonte de custeio e b) a ampliação (ratificação) das pessoas jurídicas sujeitas à alíquota-zero.
Com relação à primeira questão, é sabido que, enquanto a CPMF foi criada por uma lei ordinária, a CSS tenta ser instituída por lei complementar, pois a União só poderá exercer a sua competência residual (criação de novas fontes de custeio para a seguridade social) se obedecido o disposto no artigo 154 da Constituição Federal.
Em outras palavras, utilizando-se das fontes (materialidades) já traçadas no artigo 195, a União poderia criar, por meio de lei ordinária, novas contribuições sociais, como já o fez com a Cofins, CSLL, dentre outras. Porém, quando eleger uma nova fonte, caso da CSS (circulação de moeda), deverá obedecer às regras previstas no artigo 154, I, das quais se destacam instituição mediante Lei Complementar e não-cumulatividade. Contudo, no substitutivo em questão, não se identifica regras sobre a não-cumulatividade. Isto é, a moeda que circular de "B" para "C" sofrerá, identicamente, a tributação sofrida de "A" para "B", sendo a CSS, portanto, cumulativa e inconstitucional.
A única forma de se ter uma CSS constitucional seria por meio de emenda, pois, nessa circunstância, a própria Constituição elege uma nova fonte e outorga competência para a União criar o tributo, como ocorreu com a CPMF. Para isso é necessário quorum extremamente qualificado. Ou seja, força política.
Um segundo ponto relevante no substitutivo é que, mesmo inconstitucional, a futura lei acaba, definitivamente, com a dúvida que a fiscalização tinha a respeito da aplicação de alíquota-zero aos lançamentos a débito ocorridos nas contas correntes das sociedades de arrendamento mercantil e dos fundos de investimentos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Essa proposta de alteração, desnecessária, pois já existia sistematicamente nas normas da CPMF, é importante por ratificar o entendimento de que os lançamentos a débito ocorridos nas contas correntes das sociedades de arrendamento mercantil, e de todos os fundos de investimento, estão sujeitos à alíquota-zero, o que, certamente, influenciará o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) quando forem analisados os casos de CPMF que tratam do assunto.
Vale dizer que o substitutivo, apesar de inconstitucional, acaba com a ideia de que os lançamentos dessas pessoas jurídicas não estariam sujeitos à alíquota-zero da CPMF, mas, ao contrário, ratifica a posição defendida pelos mencionados contribuintes que, ultimamente, mesmo após a extinção da CPMF, estão sofrendo autuações que os desconsideram do rol das pessoas sujeitas à alíquota-zero.
Dessa forma, entendemos que o trabalho dos deputados, mesmo que não passe no Senado, além de ter se limitado a ser, essencialmente, uma cópia da Lei da CPMF, sem, inclusive, resolver questões importantes como aquelas que tratam do endosso de cheques e dos pagamentos por conta e ordem, foi útil a esses contribuintes que estavam na guilhotina para pagar um tributo que não era seu, pois a lei, desde sua origem, tinha-lhes concedido alíquota-zero, mesmo que setores da administração tributária discordassem.
Com a rediscussão da CSS, parece ter chegado o momento de a administração rever definitivamente esse assunto relativo à CPMF, com o fim precípuo de evitar novas autuações - pois o período decadencial ainda não se extinguiu -, e de orientar normativamente o Carf que, em breve, analisará essa questão tão relevante para mercado financeiro e de capitais brasileiro.
Samuel Carvalho Gaudêncio é advogado, sócio do Gaudêncio, McNaughton & Prado Advogados e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP