Carlos Alexandre Lobo, Marcos Saldanha Proença e Felipe Boechem
Nas assembleias gerais ordinárias realizadas por companhias abertas em 2009, verificou-se um aumento significativo do número de companhias que instalaram o conselho fiscal. Considerando que o funcionamento do conselho fiscal ainda é uma novidade para muitas companhias, é importante traçar um panorama geral do entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Poder Judiciário em relação à interpretação das normas que regulam a constituição e o funcionamento desse órgão.
O conselho fiscal é um órgão interno da companhia com funções de fiscalizar os órgãos de administração em relação às suas contas e regularidade dos atos de gestão. Seu funcionamento é facultativo e depende de solicitação, em assembleia geral, por acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações com direito a voto ou 5% das ações sem direito a voto. Nos termos da Instrução CVM nº 324, de 2000, esses percentuais podem ser reduzidos para até 2% das ações com direito a voto e 1% das ações sem direito a voto, dependendo do montante do capital social da companhia aberta.
A CVM e o Poder Judiciário já se manifestaram no sentido de que a solicitação de instalação do conselho fiscal não precisa ser motivada. Observados os quóruns acima referidos, a companhia tem a obrigação de organizar a votação para eleição dos membros que comporão o conselho fiscal.
O conselho fiscal dever ser composto por, no mínimo três e, no máximo, cinco membros, observadas as seguintes regras de eleição:
Primeiro, é garantido aos acionistas preferencialistas eleger um membro e seu respectivo suplente em votação em separado. Vale ressaltar que o Poder Judiciário e a CVM já decidiram que (i) nessa votação, não poderão participar os acionistas controladores, ainda que portadores de ações preferenciais, nem pessoas vinculadas aos mesmos e (ii) ainda que as ações preferenciais adquiriram, transitoriamente, o direito de voto em função do não pagamento de dividendos, continuarão usufruindo do direito de eleger um membro do Conselho Fiscal.
Segundo, igual direito é garantido, nos termos da lei, "aos acionistas minoritários, desde que representem em conjunto, 10% ou mais das ações com direito a voto". Ao interpretar este dispositivo, a CVM esclareceu que o requisito de 10% não se refere ao número de ações que os acionistas minoritários presentes à assembleia precisam deter, mas sim ao número de ações com direito a voto em circulação. Desde que haja 10% de ações ordinárias em circulação, qualquer acionista minoritário presente à assembleia poderá pedir a votação em separado, cabendo à maioria dos minoritários presentes elegerem um membro.
Terceiro, os acionistas controladores tem sempre o direito de eleger a maioria dos membros do conselho fiscal. Caso o direito de eleger um conselheiro atribuído aos acionistas minoritários detentores de ações preferenciais e aos minoritários titulares de ações com direito a voto não seja exercido, o acionista controlador poderá eleger todos os membros.
A lei impõe restrições à eleição dos membros do conselho fiscal. Não podem ser eleitos membros de órgãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo e o cônjuge ou parente, até o terceiro grau, de administrador da companhia. Na última oportunidade em que se manifestou sobre o tema, a CVM definiu que o objetivo dessas restrições é evitar o vínculo dos membros do conselho fiscal com a administração. Nesse sentido, o conceito de sociedades do mesmo grupo acima mencionado não se refere a sociedades do mesmo grupo econômico de fato, mas sim ao grupo de direito constituído nos termos do artigo 265 da Lei nº 6.404, de 1976. Isto porque, somente nos grupos de direito é que há relações de subordinação entre administrações de diferentes sociedades. No grupo econômico de fato, embora as sociedades estejam sob um controle comum, não há juridicamente subordinação entre suas respectivas administrações.
A Lei nº 6.404, de 1976 conferiu ao conselho fiscal uma série de mecanismos de fiscalização que não estão disponíveis aos acionistas, alguns dos quais podem ser exercidos por cada conselheiro individualmente.
A lei, no entanto, não deu ao conselho fiscal um cheque em branco, tendo imposto aos conselheiros os mesmos deveres fiduciários aplicáveis aos administradores. Os membros do conselho fiscal devem exercer suas funções no melhor interesse da companhia, ainda que em desacordo com o interesse do grupo que os elegeram, sob pena de cometer infração grave nos termos da Instrução CVM nº 131, de 1990.
O exercício das competências do conselho fiscal está limitado à sua finalidade de fiscalização das contas e regularidade dos atos da administração e não pode, segundo a CVM, extrapolar aquilo que for razoável. Por esta razão, para grande parte da doutrina, o conselho fiscal não tem competência para requisitar informações de natureza comercial, tais como: política de preços, estratégias de venda dos produtos e marketing. Adicionalmente, a CVM e o Poder Judiciário já decidiram que o conselho fiscal não possui competência para avaliar o conteúdo da gestão societária, ou seja, não pode rever decisões empresariais.
Acórdão da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) esclarece, ainda, que o interesse do conselho fiscal está restrito à fiscalização da gestão do exercício social em curso, sem remontar ao passado da companhia para alcançar períodos de administração aprovados em assembleias gerais anteriores.
Por fim, a CVM já se pronunciou no sentido de que o conselheiro fiscal não ultrapassa os limites de suas atribuições ao solicitar detalhes da remuneração dos administradores, tendo ainda direito ao acesso às mesmas informações e documentos utilizados pelos administradores na elaboração das demonstrações financeiras para poder emitir sua opinião sobre as mesmas.
Com o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, a figura do conselho fiscal tende a ser cada vez mais usual. Nessa perspectiva, é imperativo que o Poder Judiciário e a CVM estejam atentos para garantir a eficácia desse órgão bem como para coibir o seu uso abusivo.
Carlos Alexandre Lobo, Marcos Saldanha Proença e Felipe Boechem, são respectivamente sócio e associados da área empresarial de Pinheiro Neto Advogados