O STF pôs um fim nas descabidas exigências de diversas certidões negativas de débito, em decisão unânime
A voracidade do Estado na arrecadação de tributos vinha tendo como eficiente mecanismo de pressão a imposição de óbices para a prática de vários atos da nossa vida, inclusive das empresas. Quem já não se deparou com exigência de diversas certidões negativas de débito com o Poder Público seja para comprar um imóvel, dar baixa em empresas ou até mesmo transferir seu domicílio para o exterior?
Pois bem. O Supremo Tribunal Federal pôs um fim nessas descabidas exigências quando recentemente julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 173 e 394 propostas, respectivamente, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra dispositivos da Lei 7.711/88 que regulamentava a exigência de certidões negativas para a prática de atos da vida civil e empresarial.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi unânime e declarou a inconstitucionalidade dessas exigências, afastando a necessidade da comprovação de apresentação de certidão negativa de quitação de tributos nos casos de transferência de domicílio para o exterior, prática de atos de registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos, registro em Cartório de Registro de Imóveis e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira.
Segundo o relator das ações, o Ministro Joaquim Barbosa, "as normas impugnadas operam inequivocamente como sanções políticas" e que, "historicamente, o STF reafirma a impossibilidade de o Estado impor esse tipo de sanção ao contribuinte como forma de coagi-lo a quitar débitos fiscais".
O Ministro referiu-se aos enunciados sumulares do Supremo Tribunal Federal número 70 (É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.), número 323 (É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.) e número 547 (Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais).
Durante o seu voto, o Ministro Marco Aurélio reafirmou a jurisprudência do Tribunal, consolidada no sentido de ser inconstitucional qualquer ato que implique forçar o cidadão a recolhimento de imposto.
Seguindo mesmo raciocínio, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito arrematou afirmando ser necessário fazer uma repressão imediata e dura com relação a esse tipo de exigência, porque o contribuinte fica completamente descoberto.
O que se colhe do julgamento é a lição de que o Estado não pode coagir o cidadão ou empresas, obrigando-lhes o recolhimento de tributos sob pena de não poderem praticar atos da vida civil ou empresarial. Com isso, o Supremo Tribunal Federal impôs ao Estado a utilização dos meios judiciais postos à sua disposição - que já são muitos e que lhe atribuem diversas prerrogativas - para obter a satisfação de suas pretensões creditícias, sem criar empecilhos ao direito fundamental de liberdade de locomoção e do livre exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas.
Mas o Estado já tratou de procurar uma alternativa para continuar exigindo a Certidão Negativa de Débitos (CND), afirmando que o artigo 47,I, "b" da lei 8.212, de 1991 (que não foi objeto das ADIns, Ações Diretas de Inconstitucionalidade, julgadas), estabelece obrigações similares àquelas declaradas inconstitucionais, ou seja, autorizaria a exigência da certidão negativa de débitos para alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo.
No entanto, devemos atentar para as lições do Ministro Celso de Melo, que afirma que o controle concentrado de constitucionalidade por meio das ADIn's transforma o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo, pois importa em eliminação dos atos estatais eivados de inconstitucionalidade, os quais vêm a ser excluídos, por efeito desse mesmo pronunciamento jurisdicional, do próprio sistema de direito positivo ao qual se achavam, até então, formalmente incorporados. (Bulos, Uadi Lammêgo in Constituição Federal Anotada. 7ª edição, página. 984).
Assim, considerando que por força do artigo 28 da Lei 9.868, de 1999, as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade abstrata têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, cremos que a decisão das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 173 e 394 alcançam todas e quaisquer normas posteriores à lei 7.711, de 1988, que tenham teor semelhante àquela exigindo a apresentação de Certidão Negativa de Débito para prática de atos, como no caso do artigo 47 I, "b" da Lei 8.212, de 1991.
Cremos que o julgamento do Supremo Tribunal Federal afasta por completo a exigência de apresentação de certidões negativas de tributos federais e de contribuições previdenciárias para a lavratura de escrituras ou registro das transações imobiliárias no Cartório de Imóveis.
Como se trata de questão recente, é provável que muitos tabeliães ou oficiais de registro suscitem dúvida perante o Judiciário, que certamente fará prevalecer teleologicamente a decisão do Supremo Tribunal Federal.