De início, o título surpreende, pois, qual a relação entre a nova lei que criou o chamado "Refis da crise" e o Supremo Tribunal Federal (STF)? Veremos mais adiante. Posso afirmar, no entanto, que há um importante relacionamento que se vincula à certeza do direito e também no planejamento empresarial.
Sabe-se que a Lei nº 11.941, de 2009, popularmente denominada de "Refis da crise", instituiu uma importante oportunidade aos contribuintes para a solução de pendências tributárias mediante o pagamento à vista ou parcelado em até 180 meses, com descontos proporcionais, segundo o prazo para adimplemento, nas multas de mora, ofício ou isolada, como também nos juros, além da exclusão do encargo legal de 20% imposto aos casos onde já existem execuções fiscais. Entre os aspectos interessantes da lei temos a possibilidade de o contribuinte escolher quais os débitos tributários incluirá no parcelamento ou pagará à vista com as reduções. Aliás, além da previsão legal, isso foi expressamente consignado no artigo 12 da regulamentação realizada pela Portaria Conjunta nº 6, de 22 de julho de 2009, da Receita federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A possibilidade de o contribuinte escolher os débitos tributários a serem incluídos no parcelamento, cuja adesão se dará pela internet a partir do dia 17 de agosto, é de grande valia, pois existem questões tributárias em litígio administrativo e/ou judicial com perspectivas de êxito, o que certamente inviabiliza sua inclusão. Além disso, essa possibilidade de escolha deixa clarividente que as discussões tributárias, mesmo sem qualquer garantia ou suspensão da exigibilidade do crédito, não conduzem à exclusão do novo parcelamento, ao contrário do que ocorria nos parcelamentos anteriores (Refis, Paes e Paex, entre outros). Isso porque a única previsão de exclusão se dá com o inadimplemento de três parcelas consecutivas ou alternadas, ou mesmo uma, estando as demais pagas daquele, lembrando-se ainda que a mora no recolhimento em um prazo de até 30 dias não causa a medida sancionadora da rescisão, até porque seria uma total falta de razoabilidade e proporcionalidade.
É nesse ponto que surge o vínculo entre a lei que criou o novo parcelamento e o Supremo. E por quê? Como sabemos, é o Supremo quem decide, em última instância, questões jurídicas tributárias que possuam relação direta com a Constituição Federal, pois ele é seu guardião máximo. Nesse sentido, hoje existem diversas discussões tributárias na pauta do tribunal superior aguardando uma decisão definitiva em favor dos contribuintes ou do fisco. A título exemplificativo, é possível citar a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, a isenção da Cofins para as profissões regulamentadas, os créditos de IPI em casos de alíquota zero, não tributáveis e isentos, como também o crédito-prêmio IPI, o Funrural para os produtores rurais, matérias de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), quebra do sigilo bancário sem autorização judicial para fins tributários e incidência de 15% na prestação de serviços por cooperativas, entre outras. Cabe, inclusive, lembrar que essas discussões estão aguardando julgamento final há alguns anos, embora seja plenamente compreensível todo o tempo percorrido até o momento.
Para diversos contribuintes, essas discussões implicam significativos valores que podem ou não se tornar passivos tributários definitivos, a ponto, inclusive, de prejudicar ou inviabilizar sua atividade econômica diante das drásticas medidas executórias e coativas do fisco, como o bloqueio de bens, a penhora on-line de contas bancárias, a expropriação de bens, a inscrição no cadastro de inadimplentes (Cadin) e a impossibilidade de emissão de certidões negativas de tributos, entre outras. Em tempos de crise, como na atualidade, medidas desse patamar alçadas pelo fisco certamente provocam um importante impacto na atividade empresarial, sendo de grande dificuldade a sobrevivência nessas situações. Ora, da mesma forma que o tributo é importante para o Estado, a empresa, por sua função social, também possui significativa relevância que não deve ser desprezada.
Juntamente com o aspecto relacionado à possibilidade ou não de passivos tributários, dependendo das decisões exaradas pelos tribunais superiores, em especial pelo Supremo, ainda temos o outro lado da moeda. Equivale dizer: essas mesmas discussões jurídicas acima citadas podem conduzir, na hipótese de êxito em favor do contribuinte, a um grande vulto de créditos tributários indevidamente exigidos pelo Estado. Desse modo, um contribuinte que faz sua adesão ao novo parcelamento de débitos tributários mas que possui uma ação anulatória com depósito judicial, por exemplo, poderá ser prejudicado se, no futuro, o Supremo vier a reconhecer o direito ao contribuinte - já que o parcelamento obriga à desistência da medida judicial aforada. Haverá, assim, um enriquecimento sem causa do fisco, ofendendo até mesmo as noções de moralidade administrativa, com flagrante injustiça.
Bem por isso, como forma de garantir segurança jurídica e possibilidade de planejamento estratégico aos contribuintes - e também ao fisco -, seria de fundamental importância que essas discussões fossem decididas definitivamente pelo Supremo antes do esgotamento do prazo de adesão ao parcelamento, que tem como termo final o dia 30 de novembro deste ano. Seria, assim, uma louvável conduta do Poder Judiciário - inclui-se aqui também o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em questões infraconstitucionais - no sentido de possibilitar ao contribuinte uma decisão segura acerca das questões tributárias (dívidas ou créditos) que pretende incluir no parcelamento, evitando inclusões desnecessárias ou mesmo omissões, em prejuízo do contribuinte e até mesmo do fisco.
Além do mais, certamente, decisões definitivas do Supremo em favor do contribuinte ou não, juntamente com a lei do parcelamento e os institutos de direito processual civil - como a repercussão geral, as súmulas e a jurisprudência dominante -, causariam uma significativa redução de processos judiciais em todas as instâncias, beneficiando, em contrapartida, o próprio Judiciário e, por conseguinte, a coletividade. Não se tem a pretensão de determinar a pauta de julgamentos de nossos tribunais superiores - em especial, do Supremo - com essa reflexão, até porque sabemos da complexidade das matérias jurídicas e das regras regimentais. Mas não há como negar que a sugestão apresentada está em consonância com o interesse da coletividade e, assim, merece atenção.
Fábio Pallaretti Calcini é mestre em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, especialista em direito tributário internacional pela Universidade de Salamanca, na Espalha e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e advogado associado do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia