Antônio Lopes de Sá Os denominados “Princípios Fundamentais de Contabilidade” que em realidade surgiram como macro regras sobre a informação, aceitos há décadas no exterior e no Brasil pelo Conselho Federal de Contabilidade oficialmente desde 1993, começam a merecer questionamentos. Se os referidos ainda são consagrados como “preceitos pétreos” é de supor-se que não possam ser desrespeitados, sequer pelas normas ditas internacionais de Contabilidade. Dúvidas sob certos aspectos, todavia, surgem em pontos básicos, ou seja, especialmente quanto ao denominado “Valor Justo”, perante o “Princípio Fundamental da Prudência” no que tange a informação pública das empresas de maior porte. Enquanto a cautela requerida pelo Princípio é a de “avaliar a menor o Ativo” e “a maior o Passivo” mediante a incerteza, apelando para um regime de “maior segurança”, as normas ditas internacionais abrem as portas ao “subjetivo”, ou seja, a “marcação a valor de mercado”. Sabendo-se que o mercado é por natureza instável, logo, “incerto” e “oscilante” o que deveria ocorrer para respeitar-se a “prudência” seria manter a “menor valia” de componentes de ativo, jamais a “maior”, mas não é isso que tende a ocorrer quanto aos balanços informados a terceiros. É de refletir-se, portanto, sobre a questão lógica que fica posta: se o valor de mercado é oscilante e incerto, seria ele deveras um valor justo mesmo nessa circunstância? Ou a prudência exigiria que só o mesmo fosse considerado se “menor”, tal como para avaliações já era obrigatório no caso dos bens de venda? Uma inequívoca conciliação entre tais razões seria justificável, especialmente em relação a bens que possuem maior instabilidade em suas cotações e quanto às garantias que possam existir de efetiva realização. Os balanços são peças estáticas e os mercados são tão dinâmicos que o “justo” em um momento já é absolutamente “injusto” em outro. Como conciliar a “prudência” nessa temporalidade não é tarefa fácil quando feita opção por um instrumento de medida por natureza “instável”, estribado no “condicional” (poderia, deveria, ocorreria etc.). Tal como conceituado oficialmente o “Justo” é uma probabilidade porque assim é a natureza do que depende de ocorrer para se materializar. A Deliberação CVM 566 de 17 de dezembro de 2008 define: “Valor justo é o montante pelo qual um ativo poderia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes independentes com conhecimento do negócio e interesse em realizá-lo, em uma transação em que não há favorecidos.” (o grifo é meu). Não há, também, no conceito citado, referência específica ao “Princípio da Prudência” no que tange aos denominados “instrumentos financeiros”; quanto a estes a deliberação estabelece: “Quando um ativo financeiro ou um passivo financeiro é inicialmente reconhecido, a entidade deve mensurá-lo pelo seu valor justo acrescido, no caso de ativo financeiro ou passivo financeiro não reconhecido ao valor justo por meio do resultado, dos custos de transação que sejam diretamente atribuíveis à aquisição ou emissão do ativo financeiro ou passivo financeiro.” (item 13 da Deliberação). Estabelece a aludida deliberação que Ativo financeiro é qualquer ativo que seja: (a) caixa; (b) título patrimonial de outra entidade; (c) direito contratual: (i) de receber caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade; ou (ii) de trocar ativos ou passivos financeiros com outra entidade sob condições potencialmente favoráveis para a entidade; (d) contrato que será ou poderá vir a ser liquidado em títulos patrimoniais da própria entidade e que seja: (i) um instrumento financeiro não derivativo no qual a entidade é ou pode ser obrigada a receber um número variável dos seus próprios títulos patrimoniais; ou (ii) um instrumento financeiro derivativo que será ou poderá ser liquidado por outro meio que não a troca de montante fixo em caixa ou outro ativo financeiro, por número fixo de seus próprios títulos patrimoniais. Para esse propósito os títulos patrimoniais da própria entidade não incluem instrumentos que são contratos para recebimento ou entrega futura de títulos patrimoniais da própria entidade. Existem, ainda, na deliberação CVM 566/08 várias exceções, mas, sem tanger o essencial quanto a títulos de negociação e sem estabelecer restrições de “prudência” no que tange a adoção do denominado como “Valor Justo”. A deliberação referida, referendando partes das normas da entidade particular estrangeira IASB (IAS 39 e IAS 32) segue, pois, quanto aos bens denominados como “ativos financeiros” para venda o que também a lei 11.638/07 fixa como alteração do artigo 183 da lei 6404/76. A questão não está, pois, em arranhões que possam ferir o legislado, mas, sim no que este possa golpear o interesse de terceiros com o mascaramento de valores, através da falta de respeito ao Princípio de Prudência como “macro-regra” que é. A extrema complexidade do texto da deliberação, a redação sem virtudes didáticas (posto que importada de outro idioma), sugere questionamento diante de fato tão simples que se resume em uma só expressão – “Prudência”. Vez por outra as normas ditas internacionais se referem a um “Valor Justo não confiável” (acredito difícil entender aquilo que sendo justo não possa ser confiável); não detalham, todavia, sobre o que se deva aceitar como deveras confiável e que não seja algo “condicional” como textualmente é definido na deliberação CVM 566/08. O tema aqui evocado, entretanto, é apenas de evocação reflexiva e advertência preventiva; o futuro mostrará os efeitos de um sistema atual não coerente com a intenção dos próprios mercados em se libertarem de um sufocante regime especulativo, este que tem suplantado aquele do empreendedorismo, gerando crises consecutivas derivadas de macro calotes, estes prosperados na ocultação de dados e ausência da adoção de um critério ético onde a “prudência” faz realmente muita falta.